Partidos políticos: funcionamento e gestão

Os cidadãos reclamam mais voz e presença nos assuntos públicos mas também dentro dos partidos.

O PS está num processo de regeneração, abertura à sociedade, apesar de o fazer às avessas. Primeiro vai escolher, em primárias, o candidato a primeiro-ministro, em vez de arrumar a casa e escolher, em directas, o seu futuro líder.

Porém, o PS assim não vai lá. Em Coimbra, voltam de novo os problemas processuais que colocam em causa a credibilidade de um partido. Há suspeitas de que cadernos eleitorais estejam viciados. Se há um militante em determinada secção que faz uma afirmação desta natureza, o dever de um partido de bem deve ser procurar averiguar a sua veracidade e perceber o que se está a passar. Neste caso concreto, quem denunciou foi expulso e quem cometeu a fraude ficou. Um lindo exemplo de democracia. Em causa estão inscrições de militantes com "moradas que não existem", "moradas erradas" e "duplas filiações", entre outros casos.

Li no jornal PÚBLICO que é premente rever o sistema político, a começar pela lei eleitoral, como forma de aproximação entre eleitos e eleitores, opiniões expressas por António Barreto e António Vitorino. Esta tentativa só pode ter êxito se começar pelo exemplo dos partidos. Qualquer eleição interna de um partido dever-se-ia reger pela lei eleitoral vigente para eleições nacionais; autárquicas; europeias e legislativas. Só assim, com total transparência, o comum dos cidadãos percebe e aceita este tipo de eleições. Os partidos são uma associação de cidadãos que pretendem obter o exercício e os benefícios do poder, porém a forma como ascendem na estrutura do seu partido não é, por vezes ou quase sempre, a mais consentânea com princípios democráticos A política, quer partidária quer pública, exige o exemplo como mote para se poder acreditar nalguma coisa. Eu militei muito pouco tempo num partido e uma das razões mais fortes para sair foi coisas que vi e que acho abjectas do ponto de vista democrático. Militantes a serem inscritos por atacado (50, 100 novos militantes) em determinada secção para dar a hegemonia e a vitória a quem o fazia. O pagamento de quotas dessa gente toda. No dia das eleições e mesmo à hora que se votava, receber SMS, estando muitos na fila para votar, a solicitar o voto num candidato. Estar a votar e ter por detrás da mesa de voto a cara de um dos candidatos, publicidade no jornal a dizer votar em A, etc. Estas e outras nuances, pressões descabidas e enganosas faziam-se e fazem-se num partido em eleições internas locais para presidir a uma secção, concelhia ou distrital. Sempre combati estas atitudes e estes comportamentos. A democracia começa de baixo para cima, e não de cima para baixo.

Há corrupção, falta de transparência e vitalidade democrática e isso leva a que se olhe com desconfiança, de soslaio, que haja indiferença e desprezo pela política e seus agentes (partidos e dirigentes). Esta é a realidade e não se pode escamotear. O desdém da política, pela falta de compromisso e respeito pelos outros, leva a maioria dos cidadãos a pensar que é uma perda de tempo e que todos os políticos não são confiáveis e são na maioria corruptos. Esta atitude cínica a que se chega é perigosa para o futuro da democracia e da liberdade.

O formato convencional de funcionamento dos partidos perdeu presença no tecido social, debilitou os laços com os eleitores e limitou-se a actuar em meios institucionais olhando sempre para o horizonte eleitoral. Porém, à sua volta, tudo está a mudar. Os grandes partidos perderam funcionalidade, qualidade representativa e são vistos mais como parte do problema do que parte da solução.

O problema de fundo é que os partidos, na sua versão standard, são organizações anacrónicas em relação a um modelo de democracia que não pode limitar-se a uma versão exígua de representação mas também não pode tolerar falcatruas e jogos baixos na sua militância. Os cidadãos reclamam mais voz e presença nos assuntos públicos, mas também dentro dos partidos, menos hierarquia e rigidez, mais diálogo e participação, menos slogans e meias verdades, mais transparência e eleições limpas.

Neste momento, no PS, a hora é dos militantes e simpatizantes com transparência e correcção para poderem ascender, um dia, ao poder e ao governo. Uma das maiores debilidades da democracia é a distância entre cidadãos e a política, culpa dos dirigentes partidários e da sua forma de actuar dentro deles. As bandeiras de um partido político devem passar por maior transparência, proximidade, informação e representatividade.

Uma das formas de mudar o sistema político não passaria somente pela alteração da lei eleitoral mas pela organização, gestão e funcionamento dos partidos. Só deste modo se recuperaria a confiança dos cidadãos.

Biólogo, fundador do Clube dos Pensadores

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