Polónia e NATO alertam para "intervenção directa" da Rússia na Ucrânia

Aliança Atlântica diz-se decidida a mostrar que está "a falar muito a sério". Moscovo responde com sanções aos Estados Unidos e à União Europeia.

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Os combates estão a chegar ao centro de Donetsk Sergei Karpukhin/Reuters

À medida que as forças leais ao Governo da Ucrânia apertam o cerco aos combatentes separatistas nas cidades de Donetsk e Lugansk, no Leste do país, o Exército russo vai-se estendendo ao longo da sua fronteira, a meia centena de quilómetros, em movimentações que a Polónia e a NATO interpretam como os primeiros passos de uma invasão.

Os números da Aliança Atlântica são revistos e aumentados praticamente todos os dias – na semana passada, falava-se em 15.000 soldados russos ao longo da fronteira, mas agora serão já 20.000, de acordo com o secretário-geral adjunto da organização, o norte-americano Alexander Vershbow.

Apesar das acusações, a disposição das tropas russas não viola os acordos internacionais – oficialmente são exercícios militares, e não há grupos com mais de 9.000 soldados fora das suas bases, em cumprimento do Documento de Viena de 2011.

Como tem sido hábito desde o início do conflito na Ucrânia, quase todas as acusações, declarações e alegadas provas da culpabilidade de um e de outro lado jogam-se nas redes sociais, e não foi por isso de estranhar que uma das mais sérias acusações da NATO tenha chegado através do Twitter.

"A Rússia violou a lei internacional sem qualquer justificação, invadiu a Ucrânia, apoia os separatistas, e tem agora cerca de 20.000 soldados na fronteira com o Leste da Ucrânia", escreveu Alexander Vershbow.

É uma guerra com várias tentativas de cerco – no terreno, as forças ucranianas tentam derrotar os separatistas; a liderança da NATO tenta convencer os seus membros de que é urgente apressar os preparativos para uma guerra; e a Rússia tenta avisar a Ucrânia que uma vitória militar no Leste do país pode sair-lhe cara.

Nesta quarta-feira, o Presidente russo, Vladimir Putin, respondeu às duras sanções aprovadas na semana passada com a limitação ou proibição da importação de alimentos dos EUA e da União Europeia (UE). "Determinados tipos de produtos agrícolas, matérias-primas e alimentos com origem em Estados que decidiram impor sanções económicas a entidades legais e/ou indivíduos russos, ou que se tenham associado a essa decisão, estão banidos ou limitados", lê-se no comunicado do Kremlin.

NATO exige mais poder
Nas últimas horas, a NATO não tem parado de lançar avisos. A porta-voz da organização, a romena Oana Lungescu, disse que "o mais recente reforço militar russo agrava a situação e compromete os esforços com vista a uma situação diplomática para a crise".

Mas o mais sério aviso veio do próprio secretário-geral da Aliança Atlântica, o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen. Num artigo assinado no Financial Times, intitulado "Todos os aliados da NATO devem pressionar a Rússia", Rasmussen apresenta uma série de argumentos a favor do reforço da capacidade da aliança, contra aquilo a que chama "o maior desafio desde o fim da Guerra Fria".

Pondo toda a responsabilidade nas costas da Rússia, por ter "rasgado os compromissos" com a NATO – que "se esforçou para melhorar as relações com Moscovo após o colapso do comunismo" –, Rasmussen voltou a apelar ao reforço dos gastos com equipamento militar por parte dos 28 membros da organização.

A próxima cimeira da NATO, que vai decorrer no País de Gales a 4 e 5 de Setembro (a última de Rasmussen como secretário-geral, posição que vai ceder ao norueguês Jens Stoltenberg a partir de Outubro), terá de servir para "aumentar a força de resposta multinacional", porque "as acções da Rússia não podem ser ignoradas".

"A ordem mundial pós-Guerra Fria está em jogo. Por isso, a NATO é necessária mais do que nunca. Estamos decididos a mostrar que a NATO está a falar muito a sério", escreveu Rasmussen.

A ideia de uma invasão do Leste da Ucrânia pela Rússia não é nova – desde a anexação da península da Crimeia, em Março, que o Governo de Kiev, os Estados Unidos e vários países da União Europeia têm trabalhado com esse cenário em cima da mesa.

Nesta quarta-feira, o primeiro-ministro da Polónia, Donald Tusk, disse ter "razões para suspeitar" que a Rússia vai entrar directamente no conflito na Ucrânia. "Temos recebido informações nas últimas horas de que o risco de uma intervenção directa é sem dúvida mais elevado do que era há vários dias", disse o chefe do Governo polaco em conferência de imprensa.

E, à semelhança do secretário-geral da NATO, pressionou os seus aliados a prepararem-se o mais depressa possível para esse cenário: "Se se concretizar uma intervenção directa das forças russas na Ucrânia, isso seria obviamente uma situação nova e, na minha opinião, ninguém tem uma resposta boa e inequívoca sobre de que forma o Ocidente deve reagir a isso."

Rússia propõe "missão humanitária"
Apesar do duro pacote de sanções aprovado pela União Europeia na semana passada, e das conversações nos bastidores entre a Rússia e a Alemanha, é cada vez mais difícil ouvir a diplomacia por cima dos tambores da guerra.

Na terça-feira, o embaixador da Rússia nas Nações Unidas, Vitali Churkin, pediu uma reunião de emergência do Conselho de Segurança para discutir a situação humanitária no Leste da Ucrânia, onde o conflito já forçou cerca de 285.000 pessoas a abandonarem as suas casas, segundo a ONU. Moscovo propõe o envio de uma "missão humanitária", com o envolvimento da Cruz Vermelha – uma proposta prontamente recusada pelo Reino Unido e vista como uma farsa pela NATO.

"É profundamente irónico que a Rússia queira convocar uma reunião de emergência para discutir uma crise humanitária que foi em grande parte criada por ela", disse o embaixador britânico na ONU, Mark Lyall Grant. Para a porta-voz da NATO, Oana Lungescu, a Rússia pode usar "o pretexto de uma missão humanitária ou de manutenção de paz como desculpa para enviar soldados para o Leste da Ucrânia".

Seja qual for a narrativa preferida em relação às forças no terreno, a verdade é que a situação humanitária no Leste da Ucrânia é preocupante. Apesar de o vice-embaixador da Ucrânia na ONU, Oleksandr Pavlichenko, defender que a situação em Donetsk e Lugansk é "séria" mas que "o Governo da Ucrânia consegue geri-la, com cooperação internacional", o responsável pelas operações humanitárias das Nações Unidas, o irlandês John Ging, avisa que os combates no Leste do país podem vir a afectar quatro milhões de pessoas.

Com a progressiva falta de electricidade e água, a destruição de habitações civis e a fuga da maioria dos profissionais da área da saúde, é de esperar "um aumento do número de mortes", pelo que "é necessário tomar medidas urgentes para evitar esta situação", disse o responsável da ONU. Segundo a organização, desde o início de Abril já foram mortas 1367, entre civis e combatentes de ambos os lados.

Atrocidades de ambos os lados
Em dois relatórios divulgados esta semana, as organizações Amnistia Internacional (AI) e Human Rights Watch acusam os rebeldes separatistas pró-russos e as forças leais ao Governo de Kiev de cometerem possíveis crimes de guerra.

O relatório da AI detalha actos alegadamente cometidos pelo líder da formação pró-europeísta Partido Radical, Oleg Liashko, deputado do Parlamento ucraniano e um dos candidatos às eleições presidenciais de Maio, nas quais obteve 8,32% dos votos.

"Oleg Liashko é supostamente um deputado, mas tem feito justiça pelas próprias mãos. 'Glória à Ucrânia, morte aos ocupantes' é o seu grito de guerra. Apesar de não ter o direito de deter ninguém, ele rapta pessoas e abusa delas verbalmente e fisicamente enquanto filma tudo", acusa a organização não-governamental.

A Human Rights Watch denuncia, por seu lado, que forças separatistas "ameaçaram pessoal médico, roubaram e destruíram equipamento médico e puseram em causa o tratamento prestado a civis". Para além disso, a organização acusa também separatistas de "expropriarem ambulâncias para transportar combatentes".

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