A detenção do último banqueiro

Os juízes são independentes. O Ministério Público autónomo. Os conceitos são equivalentes. Na decisão, os magistrados apenas dependem da lei. Sem obediência a ordens ou instruções exteriores, políticas, económicas, ou outras. Sem esse estatuto, não há magistrados. Há funcionários administrativos.

Com farisaísmo, os políticos reconhecem essa independência. Se o visado é da sua agremiação, a questão, sendo do domínio da Justiça, a esta cabe. Invocam o princípio da presunção de inocência. Esperam celeridade. Se é adversário político, com mal dissimulado júbilo, sem se rir, não se metem em assuntos dela.

A detenção para interrogatório de um banqueiro trouxe ao de cima a questão da justiça para pobres e da justiça para ricos. A destes é acelerada ou lenta conforme os seus interesses. A daqueles é lenta ou acelerada conforme a agenda do Ministério Público e juiz. Os pobres são detidos a toda a hora. Os outros, quando o poder os abandona e se tornam fracos.

A evidência é insusceptível de impugnação.

Há a justiça dos fracos e a dos fortes. As dissimetrias são patentes em toda a vida social. Transversais. Nascem no berço da vida. Findam no leito da morte.

Não afirmo que os magistrados interpretam e aplicam a lei de um modo rigoroso quando se trata dos fracos. Penalizando-os. Mais elástico e generoso quando se trata de poderosos. Favorecendo-os. Mas parece.

 O Tribunal confronta-se com meios de defesa incomparavelmente superiores aos seus. O Estado é fraco. Move-se sempre com dezenas e dezenas de anos de atraso. Investe deficientemente. Parece deliberado.

Neste caso, o Estado tem a energia de um tigre de papel. Não tenho a menor reserva de que não está apetrechado para tratar o processo com celeridade e eficiência. Tal a imensidão das fraudes, das burlas, das falsificações. Teremos de esperar muitos  anos até que haja uma condenação ou absolvição definitivas. Se houver julgamento.

Investigam-se e julgam-se crimes desta dimensão com ingenuidade e voluntarismo. Assim, não vamos lá.

Exigir celeridade é pedir o impossível. Esqueçam.   

O juiz é apenas o último dos actores do processo. Outros (legislador, polícias, técnicos, Ministério Público), alimentaram-no com as mais diversas acções e omissões, ao longo de muito tempo. Assim determinaram a decisão do juiz.

A liberdade individual choca com a pretensão punitiva do Estado.

Não sei se o “banqueiro de todos os regimes” foi bem, mal, ou assim assim, detido para interrogatório inicial. A detenção está sujeita a apertadas exigências e pressupostos legais. É uma medida cautelar muito excepcional a usar em casos contados. Não prova nada.

O grande risco é o de alimentar o justicialismo social e mediático. Afagar o umbigo de procuradores e juízes superstars. Sustentar a volúpia do interesse do público. Contra o princípio de que somos inocentes até condenação definitiva.

A Justiça é apodada de cobarde. De se sujeitar a critérios espúrios. Aguarda que os poderosos tombem do pedestal do poder. Para os interrogar, interrogar detidos, condenar.

Só a suspeição é dramática. A Justiça vergar-se-ia ao poder político, económico e financeiro.

Já ninguém quer Justiça, mas condenação.

Procurador-Geral Adjunto

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