Quase 86% dos candidatos a professores passam na prova de avaliação

Chumbam quase 1500. Uma das componentes da prova passava por escrever um texto com 250 a 350 palavras: 37% não deram erros ortográficos; 63% sim.

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A prova de professores foi muito contestada Fernando Veludo/NFactos

Para dar aulas no próximo ano tinha de se fazer a PACC — sigla pela qual é conhecida a nova e polémica Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades. Os resultados foram divulgados nesta segunda-feira: 85,6% dos candidatos passaram no teste. A taxa de “chumbo” foi de 14,4%. A média das classificações atingiu os 63,3 pontos — numa escala de 0 a 100.

A PACC destina-se a quem é detentor de uma qualificação profissional para a docência, mas não é do quadro, e pretende candidatar-se a concursos de selecção e recrutamento de pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

De acordo com as regras em vigor, ficam aprovados os candidatos que obtiverem uma classificação igual ou superior a 50% da cotação total da prova.

Em comunicado, o Instituto de Avaliação Educativa (Iave) explica que 10.220 provas foram validadas. O que dizem os resultados nacionais? Por exemplo: que entre os que não conseguem positiva, a maioria fica-se por notas que vão dos 30 aos 49 pontos. E que cerca de 22% dos candidatos a professores saíram-se particularmente bem — com uma classificação igual ou superior a 80 pontos. Destes, 4,2% alcançam um resultado que se integra na classe de valor mais elevado (90-100 pontos).

O Iave olha ainda para os resultados por diferentes tipos de pergunta. Por exemplo: uma componente da prova exigia a realização de um texto com 250 a 350 palavras. A classificação média nesta parte do teste não é brilhante: 10,8 em 20 pontos possíveis.

Segundo o Iave, 37% dos avaliados não deram erros ortográficos neste item; 63% sim. Menos de um terço (30%) das respostas registam 1 ou 2 erros; 14,8% têm 5 ou mais.

No que se refere ao parâmetro “pontuação”, a percentagem de candidatos que não revelam erros é ligeiramente inferior à observada em relação à ortografia − 33,4%. Um quinto (20,1%) deram 5 ou mais erros. É no parâmetro “sintaxe” que os docentes se saem melhor: nas respostas de 47,1% não há nada a apontar.

Resumindo: “Os resultados agora conhecidos revelam que foram aprovados 8747 candidatos, o que corresponde a 85,6% do total com provas classificadas.” Perto de 1500 docentes reprovaram (e podem candidatar-se a fazer a prova, de novo, para o ano). “A média das classificações é 63,3 pontos. A mediana da distribuição dos resultados é 68,25 pontos, o que significa que metade dos candidatos regista uma classificação superior a este valor.”

O ministério de Nuno Crato também emitiu um comunicado a propósito destes dados: “Os resultados agora conhecidos permitem verificar a importância de uma avaliação como esta. O domínio de capacidades básicas, tais como o raciocínio lógico e a capacidade de comunicação em língua portuguesa, são transversais a todas as disciplinas e devem sê-lo também a todos os professores. Para garantir a qualidade do ensino dos nossos alunos, é importante que os professores a seleccionar e recrutar demonstrem o domínio dessas capacidades básicas.”

Uma PACC atribulada
Desde 2007 que a PACC está prevista no Estatuto da Carreira Docente mas o assunto — desde sempre polémico — foi sendo adiado. O teste aos docentes só foi posto em prática neste ano — a sua realização estava prevista no actual programa de Governo —, tendo sido aprovado em Setembro de 2013, em Conselho de Ministros.

Depois, houve acções em tribunal, uma greve, protestos. Mas a prova avançou mesmo, ainda que não nos termos inicialmente previstos por Nuno Crato.

Desde logo, em troca da desmarcação de várias acções de protesto, em Dezembro, por parte dos sindicatos afectos à UGT, o ministério aceitou dispensar todos os professores com cinco ou mais anos de serviço e classificação não inferior a Bom.

A Federação Nacional de Professores (Fenprof) não desarmou e a 18 de Dezembro, a primeira data para o exame, houve mesmo professores que não conseguiram ser avaliados por causa de uma greve marcada para esse dia (estavam inscritos 13.551). Depois da prova, providências cautelares decretadas pelos tribunais suspenderam os actos relacionados com o processo.

O ministério recorreu e, em Julho, Crato estava finalmente em condições de agendar uma segunda data para a PACC. Marcou o exame com cinco dias de antecedência apenas. E foi alvo de mais protestos. Inscreveram-se 4120 professores.

Feitas as contas entre o número de inscritos em Dezembro e as provas que, no final, foram consideradas válidas, depois das duas fases, verifica-se 3331 professores acabaram por não fazer teste (ou, pelo menos, por não o ver validado). O mínistério não explica as razões, no comunicado. Certo é que quem não fez o exame, porque optou por não o fazer, não poderá dar aulas no próximo ano lectivo, tal como avisou várias vezes o ministro da Educação.

No comunicado desta segunda-feira faz-se uma ressalva: “Os candidatos de facto impedidos de realizar a prova na única escola em que esta não se realizou no dia 22 de Julho poderão participar nos concursos condicionalmente, realizando-a na sua próxima edição. As demais situações serão analisadas caso a caso pelo Júri Nacional da Prova.” Segundo a tutela ficaram provas por fazer na escola de Oliveira do Douro, em Gaia.


Só uma parte de prova
Outras coisas não saíram exactamente como previsto. Era suposto a PACC ter duas componentes: uma comum e outra específica.

A componente comum é constituída por 32 itens de escolha múltipla (que correspondem a 80% da cotação) e por um item de resposta extensa (20%), que implica a produção de um texto. Já a componente específica serve para testar os conhecimentos inerentes aos grupos disciplinares a que pertencem os professores.

Este ano, contudo, a tutela só conseguiu avançar com a componente comum. Explica o comunicado desta segunda-feira, do ministério: “Embora esta componente estivesse agendada em 2013/2014, o prolongamento de um diferendo jurídico provocado por alguns sindicatos fez com que não fosse possível realizá-la nesta edição da prova. O interesse público da prova, porém, acabou por ser reconhecido pelos tribunais superiores”, na sequência das providências cautelares, sublinha.

No seu comunicado, o ministério cita mesmo excertos das decisões de um dos tribunais que analisaram os pedidos de suspensão apresentados pelos sindicatos: “‘Não surge a menor hesitação em concluir pela prevalência do interesse público materializado na realização de provas de avaliação, em critério de preferência alicerçado na selecção positiva da capacidade profissional dos futuros candidatos no concurso de ingresso de carreira’.”

O que pedia a prova?
De acordo com o Iave, considerando o conjunto dos itens de escolha múltipla, 32 em cada prova (do total de 64 itens classificados nas duas versões das provas), verifica-se que 11 apresentam uma percentagem de acerto inferior a 50%.

Estes itens de escolha múltipla são muito variados. Apenas um exemplo: “No refeitório de uma escola, uma refeição completa inclui: sopa, prato principal, sobremesa e bebida. O refeitório disponibiliza uma variedade de sopa, quatro pratos principais diferentes, três variedades de sobremesa e dois tipos de bebida.” A pergunta era: “ Qual é o número de refeições completas diferentes que estas disponibilidades permitem obter”, 9,12, 18 ou 24?

Quanto ao texto que os professores tinham de desenvolver, o que era solicitado na prova de 18 de Dezembro era que os docentes reflectissem sobre o seguinte excerto de um texto de António Nóvoa: “A escola de hoje é infinitamente melhor do que a escola de ontem. É mais aberta, mais inteligente, mais sensível à diferença. Mas não chega.”

Na prova de Julho o texto posto à consideração era de David Justino: “Desde a promoção de uma alimentação saudável às regras de higiene, do consumo de substâncias tóxicas à iniciação das práticas sexuais, da prevenção em espaço público à preservação do  ambiente, existem domínios diversos em que a escola é chamada a exercer a sua função educadora. Se a família o faz menos, a escola terá de compensar, e vice-versa.”

Como reclamar?
O regulamento prevê que os docentes possam pedir para consultar a prova (devendo para isso fazer o pedido através do e-mail pacc.consulta@iave.pt). O valor a pagar pela consulta é 15 euros. Para pedir uma reapreciação é preciso pagar 20 euros. Está tudo explicado no site do Iave.

Nos últimos meses Crato tem dito que a PACC visa garantir a qualidade dos professores. Mas para a Fenprof este teste é uma humilhação.

“O Iave divulgou listas de aprovações na famigerada prova; fala de não aprovados mas não os indica”, diz a Fenprof em comunicado, referindo-se às listas de docentes aprovados que foram disponibilizadas nesta segunda-feira no site do Iave. E continua: “O que importa mesmo é que a prova é famigerada, inútil, inaceitável. O que a Fenprof exige é que seja anulada e revogada.”

Ao PÚBLICO, o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, diz que a Fenprof apoiará todos os professores que forem excluídos dos concursos por não terem feito ou terem reprovado, e que queiram ir para tribunal. “[Estes docentes] têm todo o direito de requerer a impugnação das listas de colocação. A Fenprof vai apoiar estes associados e eventualmente avançar com alguma acção.”

Mário Nogueira continua a defender que a prova “não tem sentido nenhum, é absurda e não tem nada a ver com o exercício da profissão docente” e, por isso, recusa-se a comentar se os resultados foram bons ou maus. “[Esta prova] Não passa de uma praxe com que o MEC quer achincalhar e humilhar os professores”, defende.

Já o dirigente da Associação Nacional dos Professores Contratados, César Israel Paulo, considera “lamentável” que os 14,4% dos professores que reprovaram deixem de se poder candidatar a dar aulas. Para o dirigente, estes professores deviam fazer com que as instituições de ensino superior, onde se formaram, se pronunciassem, uma vez que há “uma discrepância entre o é que ensinado” nas universidades e politécnicos “e o que é avaliado na PACC”.

César Israel Paulo considera que “a representatividade que as classificações da prova vão ter no sistema público de ensino é zero” e que a prova é “uma farsa e um logro”: “São docentes que nunca deram aulas ou que não vão dar nos próximos anos”, frisa. E desafia o ministro da Educação a ter uma “atitude de transparência” e a divulgar em Setembro quantos dos professores que fizeram a prova é que estão a trabalhar. “Se o ministro diz que a prova é para melhorar a qualidade do ensino, deve ser verdadeiro e dizer quanto melhorou o sistema”, argumenta, acrescentando que “infelizmente, a esmagadora maioria” dos docentes que tinham de fazer a prova não estará a dar aulas em Setembro.

O professor também questiona as condições em que foi feita a prova, marcada por boicotes e com necessidade de uma 2.ª chamada. “Nós vimos na televisão, escolas onde houve um total clima de revolução, que nós repudiamos, mas houve. Que condições tiveram os professores para fazer a prova? É a vida destas pessoas que está em jogo”, diz César Israel Paulo que, apesar de frisar ser contra este teste, salienta “os resultados altos” que os docentes obtiveram.

A Federação Nacional de Educação tem-se escusado a comentar o processo relativo à PACC desde que houve acordo entre os sindicatos de professores afectos à UGT (que levou à dispensa da prova dos professores contratados com cinco ou mais anos de serviço).

Notícia actualizada às 21H37

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