Comissário europeu e periferia política

O que vai estar em causa nos próximos anos é um New Deal europeu.

Portugal tem de decidir que vozes quer ter na frente europeia: vozes capazes de avaliar e rever as regras europeias onde elas estão mal, ou vozes de cumprimento submisso, vozes de parceiro responsável ou vozes de periferia política.

A recente indicação dum nome para comissário português reflecte a segunda opção, agravando a situação em que o nosso país se encontra de periferia, não só económica e social, mas também política. Mas teria havido alternativas, e como eu sou parte interessada, vamos aos factos.

Logo após ter sido eleito pelo Parlamento Europeu, o presidente Jean-Claude Juncker pediu explícitamente aos governos que apresentassem, em nome dos seus Estados, uma lista de nomes possíveis, com reconhecido mérito europeu, com diversas sensibilidades políticas, e incluindo mulheres.

De sublinhar que Juncker sabe bem que uma Comissão Europeia sem gente credível suficiente e com menos mulheres do que a anterior não passará no Parlamento Europeu.

Entre outros possíveis, o meu nome não foi referido a Juncker, embora ele o esperasse.

Por falta de experiência político-institucional? Não creio, após quinze anos de trabalho diário com as várias instituições europeias, Comissão, Conselho Europeu, Conselho de Ministros, Parlamento Europeu, Comité Económico e Social e Comité das Regiões.

Por falta de competências? Não creio, depois dos mesmos anos a desenvolver novas soluções para a política económica, social, de emprego, industrial, regional ao nível europeu e ao mesmo tempo professora catedrática sobre estes temas em várias universidades e fundações europeias.

Por falta de legitimidade democrática? Não creio, depois de ser número dois na lista que venceu as eleições europeias em Portugal, e depois de ter sido eleita vice-presidente por voto secreto no meu grupo parlamentar composto por 191 eurodeputados provenientes de 28 Estados-membros.

Por falta de proximidade pessoal com Jean-Claude Juncker? Também não creio, depois de ter colaborado de perto com ele, enquanto ministra e enquanto membro da sua equipa de presidência europeia.

Por falta de contributos para o projecto europeu? Não creio, pois são conhecidos, e reconhecidos, pelos meus pares europeus, vários contributos para a estratégia europeia de crescimento e emprego, para a governação europeia ou, mais recentemente, para as respostas a dar à crise da zona euro. Não há muitos portugueses que tenham sido convidados a discutir soluções possíveis para esta crise em todas as capitais europeias ou no Bundestag alemão...

Lamento toda esta imodéstia, mas a explicação pode ser outra e bem mais simples. Poderá ser algo arriscado enviar para a frente europeia pessoas que saibam e queiram discutir as regras do funcionamento europeu, é melhor ater-nos à nossa condição modesta de pequeno país, e com muitos problemas...

Mas não pode ser esta a nossa a atitude! Não se trata de empurrar para outros a resolução dos nossos problemas, que são de facto muitos. Temos de os assumir e dar-lhes uma solução corajosa e socialmente justa. Mas, se apesar do nosso esforço, e do nosso sacrifício evidente, a solução não está à vista, é porque algo está errado no próprio enquadramento europeu e tem de ser corrigido em debate franco e articulado com os nossos parceiros europeus.

Um exemplo paradigmático é o debate actual sobre o peso crescente da dívida pública sobre o produto. Os responsáveis do programa da troika preferem ignorar que o seu peso aumentou para não reconhecer que o programa foi mal desenhado. No pólo oposto mais à esquerda, reclama-se a reestruturação dívida ou mesmo a sua renegação parcial, ignorando que isso submeteria o país a um ataque especulativo imediato, seguido da saída do euro.

Mais perto do centro, as opiniões dividem-se entre aqueles que acham que o problema pode ser visto depois e aqueles que sabem que o problema é grave e inadiável e requer uma solução rigorosa e sofisticada, ou seja: uma estratégia para a redução do peso da dívida, que tem forçosamente de combinar taxa de inflação europeia algo mais elevada, uma redução das taxas de juro e alongamento dos prazos de pagamento e, sobretudo, uma aceleração do crescimento económico, com base em mais investimento de futuro.

União bancária e orçamento da zona euro são hoje decisivos para reforçar esse investimento e ultrapassar a crise europeia e relançar uma dinâmica de convergências, em vez das divergências actuais. O que vai estar em causa nos próximos anos é um New Deal europeu, é uma macronegociação sobre as regras de funcionamento da União Económica e Monetária, e para a qual todos os países mais conscientes se estão a posicionar ao escolher pessoas para os postos chave da nova liderança europeia. Jean-Claude Juncker é um político europeu particularmente experiente e está bem consciente disso.

Se quiser escapar a um triste destino periférico, Portugal deveria enviar-lhe pessoas à altura e que empurrem o barco no bom sentido...

 

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