“O próximo Governo em Portugal não pode falhar”

Nós precisamos mudar completamente a Europa”, defende Seguro, insistindo na ideia de que “a Europa como está não serve os interesses dos cidadãos”. E garante que o total das propostas do PS “não ultrapassa meio por cento do PIB”

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"Um país só consegue ter contas públicas equilibradas de forma sustentável e pagar a sua dívida se tiver uma economia a crescer." Enric Vives-Rubio

Para enfrentar o problema da dívida defende a substituição dos milhões emprestados pelo FMI por dívida europeia. Em relação aos 26 mil milhões acordados esta semana, promete tentar rever o acordo de parceria com a UE para os fundos comunitários. Assume a redução das taxas moderadores na Saúde.

António José Seguro aprofunda os 81 compromissos enunciados no seu Contracto de Confiança. Garante que as taxas moderadoras serão repostas e que a CES será abolida.

Como se propõe resolver a questão da dívida pública?
Um país só consegue ter contas públicas equilibradas de forma sustentável e pagar a sua dívida se tiver uma economia a crescer. Nunca vi um país ficar mais pobre e conseguir equilibrar contas públicas e pagar as dívidas. Aliás, o retrato está aí, o Governo pôs o país a empobrecer e a dívida tem aumentado e não há sustentabilidade na pouca consolidação que foi feita. Portanto, primeira prioridade, pôr o país a crescer. Para isso precisamos ter um ambiente favorável à nossa economia e de lhe dar um motor. Defendo que deve ser a reindustrialização, em três eixos. O dos sectores ditos tradicionais – têxtil, calçado, moldes e mobiliário –, um ligado à agricultura – ainda temos uma dependência externa alimentar muito grande, nomeadamente em carne e cereais – e uma terceira área nova, a área do digital e das impressões a três dimensões. Temos condições excepcionais para entrar nessas redes globais. Aqui está a criação de riqueza e de emprego de onde sairão os recursos para resolver este problema. Depois temos uma aflição. Estamos com um crescimento negativo e quando há um crescimentozinho…

É raquítico.
É anémico, é raquítico. Defendemos que deve haver uma estratégia nacional para que possamos ter melhores condições para o pagamento da nossa dívida. Não o defendo desde a semana passada, há anos que o defendo.

Há três anos.
Isso significa alargamento de maturidades, períodos de carência quer para o pagamento de juros quer para a amortização de capital, baixar as taxas de juro, apesar de neste momento estarem baixas. Isso significa que deve haver um consenso e temos de ter sobretudo um Governo que lidere no sentido de obter melhores condições. Foi nesse sentido que quando o Presidente da República marcou o último Conselho de Estado para se discutir o próximo futuro, eu coloquei essa proposta como uma proposta em concreto para gerar um consenso. Até porque o manifesto dos 74 reúne personalidades da esquerda à direita e há aqui um consenso do qual o Governo está fora e era preciso colocá-lo dentro, porque é ele que conduz os destinos do país.

E soluções imediatas?
Uma delas é substituir dívida do FMI por dívida europeia ou dívida dos mercados financeiros, foi uma das propostas que apresentei no Conselho de Estado. Depois, a taxa que estamos a pagar no empréstimo de 26 mil milhões de euros do FMI é superior do que a taxa de juro que nos está a ser proposta pelas instituições europeias. O que significa que se nos pudermos financiar nos mercados ou os nossos parceiros europeus nos emprestarem esse dinheiro, pagamos uma taxa de juro inferior.

Como vai convencer a Alemanha disso?
Se não tivermos um Governo que defenda os interesses de Portugal, nós não conseguimos convencer ninguém. Mas como consigo convencer a Alemanha? Dizendo que eu quero pagar, mas que quero pagar em condições e que o povo português já sofreu demais e que já passou para além dos sacrifícios que eram toleráveis.

Hollande não conseguiu convencer Merkel da boa vontade que tinha em relação aos franceses.
A alternativa a não lutar é desistir de Portugal e aceitar tudo aquilo que nos impõem. Eu recuso-me que o Governo de Portugal seja uma delegação daquilo que se decide em Bruxelas ou que se decide na Alemanha. Então, a democracia estaria em causa. É preciso que tenhamos um consenso forte e depois uma liderança forte no Governo que saiba por que deve lutar. Considero que devemos chegar junto dos nossos credores e dizer: nós queremos pagar, queremos honrar cada cêntimos, mas a solução que os senhores impõem, com a colaboração activa e entusiástica do Governo português, não resolve os problemas, porque a nossa dívida não pára de aumentar, por isso temos de encontrar outro caminho. Mas não ficamos por aqui. Consideramos que a União Europeia deve avançar para a mutualização de parte da dívida. Esta proposta nem sequer é nossa, surgiu de um grupo de especialistas alemães.

Consistem em quê?
Que os 15 países, dos 18 da zona euro, que têm uma dívida superior a 60% do seu PIB, essa parte superior a 60% faz parte de um fundo, onde cada pais fica responsável pelo pagamento dos juros e pelo pagamento da dívida respectiva, mas como é a Europa a solicitar esse financiamento e não tem dívida pública, os juros são mais baixos.

Já defende isso há algum tempo e até já levou uma resposta da chanceler alemã de que para já não. Esse tipo de medidas só é possível se houver um conjunto de países que entrem em acordo e forcem a sua aprovação.
Concordo. É preciso em primeiro lugar saber o que queremos, termos uma agenda no seio da União Europeia, lutar por ela, procurar aliados. Não foi fácil incluir no manifesto dos socialistas europeus esta proposta da mutualização da dívida.

Que países vê como potenciais aliados?
Em primeiro lugar, os que têm uma dívida superior. Mas não devemos colocar só este ponto. Temos de ter três ou quatro em cima da mesa que permitam que outros países se revejam nessa agenda. Nós precisamos mudar completamente a Europa. A Europa como está não serve os interesses dos cidadãos, não responde aos anseios dos cidadãos. Qual é o principal problema que os europeus sentem? É o desemprego. Vê alguma política europeia que seja favorável à criação de emprego ou ao combate ao desemprego? Absolutamente nada. Aliás, a Europa nestes últimos seis anos andou a correr atrás do prejuízo e atrás da crise e juntou mais crise à crise e provocou desequilíbrios. A Alemanha só em 2012 poupou em juros 42 mil milhões de euros. A Europa não pode ser a alegria de uns à custa da desgraça dos outros. Ou a Europa percebe, de uma vez por todas que tem dar boa resposta a esta crise de modo a voltarmos a entrar num processo de crescimento ou então tem de se questionar a si própria.

Como?
Por que é que o BCE é o único banco central do mundo que não pode emprestar directamente aos Estados? Não quero que o BCE financie os défices dos Estados. Temos de ter um equilíbrio saudável das contas públicas. O que eu não aceito é que o meu país pague taxas de juro superiores aos bancos comerciais pelo mesmo dinheiro que os bancos comerciais vão buscar ao BCE a menos de 1%. Isto é que é inaceitável. E não me digam que não há respostas. O que não há é vontade política. Percebo que os Governos de direita não tenham essa vontade política, o que não aceito é que partidos socialistas e partidos sociais-democratas não lutem por isso. E aceito menos que o Governo português, havendo propostas concretas, havendo uma disponibilidade do PS para lutar para defender os interesses de Portugal, não as agarre e não lute.

O que diz serve para o próximo Governo, tendo em conta, por exemplo, que o SPD acabou por ceder nalguns desses pontos que eles tinham aceite no manifesto eleitoral.
É por isso que o próximo Governo do PS não pode ceder no essencial e reconduz-me à questão da política de alianças. O programa de Governo tem de ser muito claro. O próximo Governo em Portugal não pode falhar, Não tem direito a falhar.

A curto prazo, já disse que não aumentaria a carga fiscal, acabaria com o CES e reporia o IVA da restauração. Para financiar isso, promete taxar fundos de investimento, vender património do Estado e aplicar a Taxa Tobin. Mas o Estado não consegue vender desde Manuela Ferreira Leite? Quanto à taxa, está guardada na gaveta da UE?
A totalidade das propostas do PS não ultrapassa meio por cento do PIB. Se tiver um crescimento de 1% da economia só terá um impacto de 0.4 de receitas no Estado. Portanto, aquilo de que me podem acusar não é de eu ser um despesista ou de ser um mãos-largas. É, bem pelo contrário, de ser muito rigoroso e muito criterioso. As propostas foram estudadas, foram quantificadas. Sabemos exactamente onde vamos buscar os recursos. E a alternativa a estas propostas que apresentamos é fecharmos o país.

No curto prazo, onde vai buscar o investimento para provocar o crescimento?
Os fundos comunitários são neste momento a maior alavanca de investimento que temos no país. Aliás, deixe-me dizer-lhe que eu não compreendo que o Governo só tenha conseguido a aprovação do acordo de parceria passados sete meses de o ter apresentado em Bruxelas. Já devíamos estar com programas operacionais, com dinheiro na economia. Em segundo lugar, defendi já há muito tempo a criação de um Banco de Fomento. Trata-se um banco público que só tem um objectivo, apoiar investimentos com enorme valor económico e social desde que criem emprego líquido no nosso país.

Em Aveiro, Costa defendeu que esse papel deve ser desempenhado pela Caixa.
Já disse há vários meses que o Banco de Fomento pode surgir ou da criação de um banco novo ou da transformação de uma estrutura da Caixa Geral de Depósitos nesse banco. O que é necessário é ter recursos da União Europeia ou outros canalizados para a economia. O Estado devia reformar-se de forma a ter uma estrutura única de apoio ao investimento, em vez de várias. E onde todos os recursos deviam ser optimizados no sentido de apoiar as empresas viradas para a produção de bens transaccionáveis para aumentar a produção nacional e diminuir as importações porque isso é que corresponde a uma reforma estrutura e sustentável de diminuição do nosso défice externo e de aumento da riqueza do país.

Voltando ao acordo de parceria. As prioridades estabelecidas para estes 26 mil milhões de euros são correctas?
Considero que podíamos ter sido mais ouvidos. É normal que tenha de haver algum ajustamento no acordo de parceria em função do que será o programa do próximo Governo. Sei das dificuldades que existem em fazer esse tipo de ajustamentos mas era o que mais faltava que fosse por razões burocráticas que houvesse limitação em relação àquilo que queremos fazer. Mas não vai haver dinheiro para tudo e para todos. Vai ter que haver recursos comunitários com critério e com um objectivo muito claro.

Propôs uma série de medidas de reforço da coesão social. Mexe nas taxas moderadoras?
O nosso objectivo é melhorar o acesso dos cidadãos, sobretudo daquelas pessoas que têm uma idade já muito avançada, aos cuidados do SNS. Manifestamo-nos contra o aumento das taxas moderadoras e, portanto, a nossa prioridade vai ser no sentido de as reduzir. Há uma coisa que quero dizer. Este Governo destrói num dia, mas para se reerguer o país, como não temos um poço sem fundo de onde vêm os recursos, temos de ter critérios e prioridades. Repor a contribuição Extraordinária de Solidariedade, agora de sustentabilidade, aos reformados e pensionistas já significa uma ajuda muito grande de recuperação do seu rendimento. A nossa prioridade é precisamente para os reformados e para os pensionistas.

Tem afirmado que recusa o plafonamento das contribuições para a Segurança Social, o que é uma posição do PS ao longo dos últimos 20 anos. Mas que reforma da Segurança Social considera necessário fazer?
Com as informações que temos, posso dizer que é indispensável acelerarmos o processo de conversão entre o sistema público de pensões e o geral. Entre outras coisas. Mas comigo também fica assumido que não há cortes retroactivos nas pensões.

Outra proposta é sobre a reforma dos serviços administrativos públicos. Vai acabar com a contratação de escritórios de advogados pelo Estado?
Propusemos que todos os estudos ou pareceres feitos em outsourcing fossem obrigados a constar do portal do Governo, explicando porque foi encomendado, para que serviu e quanto custou. O Estado tem recursos no seu interior para o fazer. Se for necessário recorrer a empresas externas isso deve ser explicado. Não vou ao ponto de proibir, mas quero introduzir transparência.

Inversão de tendência?
Claro. Mas não posso excluir que num assunto mais específico o Estado possa não ter essa competência. Aquilo a que me comprometo é que todos os pedidos devem ser objecto de total transparência.

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