Francisco Capelo denuncia "prática de actos indevidos" no Mude e acusa Costa de cumplicidade

O coleccionador de arte diz-se obrigado a "reconhecer a impossibilidade" de continuar como presidente do Conselho de Gestão da colecção com o seu nome. Já a Câmara de Lisboa afirma que "as denúncias foram objecto de processo de inquérito que não determinou a mudança da directora" do museu.

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O coleccionador de arte entregou aos vereadores do município um conjunto de cartas que escreveu nos últimos anos denunciando as alegadas irregularidades no Mude. João Cordeiro

É longa a lista de alegadas irregularidades no funcionamento do Museu do Design e da Moda (Mude) apontadas por Francisco Capelo, cuja colecção esteve na origem da criação deste equipamento da Câmara de Lisboa. “Desrespeito das mais elementares regras de transparência contabilística e financeira”, “uso de fundos públicos para fins não previamente aprovados” e “inadequada gestão da colecção” são algumas das muitas acusações feitas pelo coleccionador de arte.

Foi logo em 2009, ano em que o museu na Rua Augusta abriu as portas, que Francisco Capelo diz ter começado a aperceber-se da “prática de actos indevidos”. Desde então o coleccionador tem denunciado essas práticas à câmara, através de cartas dirigidas ao presidente, à vereadora da Cultura, e também aos membros do conselho de gestão, o órgão a que preside e que é “responsável pela gestão cultural” da Colecção Francisco Capelo, que é a mais representativa dentro do acervo do museu.

A directora do Mude, Bárbara Coutinho, começou por ser o principal alvo das críticas do coleccionador de arte, mas com o decorrer do tempo António Costa acabou por passar a ser também visado nas missivas de Francisco Capelo. A notícia recente de que a câmara aprovou o programa preliminar de requalificação do edifício em que está instalado o museu foi a gota de água, que levou Francisco Capelo a tornar pública toda esta situação.

Esta semana, o coleccionador de arte entregou aos vereadores do município uma carta, na qual diz que as práticas por si denunciadas nos últimos cinco anos “em vez de terem sido terminadas e os seus responsáveis afastados, foram sistematicamente encobertas”. Francisco Capelo sublinha que não está disposto a “aceitar silenciar” aquilo que considera serem “formas inaceitáveis de gerir a coisa pública” e acrescenta que para si é “clara a cobertura e cumplicidade pessoal do actual presidente”.  

Na carta, o coleccionador critica a proposta camarária recentemente aprovada, sobre a qual, diz, o conselho de gestão “não foi ouvido nem achado”. “Não quero admitir que esta aprovação tenha tido lugar para efeitos políticos de ordem pessoal, o que se pode afigurar como propaganda política desenvolvida pelo actual presidente da câmara, no contexto em que apresenta a sua candidatura secretário-geral do PS”, conclui.

Aos vereadores, a quem fez chegar parte da correspondência que vem dirigindo ao executivo camarário nos últimos anos, Francisco Capelo acrescenta que entende não haver condições que permitam a sua continuidade no conselho de gestão, órgão que foi criado em 2003 e cujos membros são designados pela câmara, à excepção do presidente. “Apesar de todos os esforços pessoais e dos meus advogados, vejo-me na obrigação de reconhecer a impossibilidade de cumprir as funções que a Câmara Municipal de Lisboa me investiu”, diz o coleccionador, que segundo os estatutos do conselho é o seu presidente até fazer 65 anos.

Nos documentos, que entregou também ao PÚBLICO, o coleccionador enuncia os actos que considera “indevidos” e que já o levaram a pedir, por mais do que uma vez, o afastamento de Bárbara Coutinho, que ocupa o lugar de directora do Mude ao abrigo de um contrato de prestação de serviços com o município.

Entre outros aspectos, o homem que em 2003 acordou vender ao município, por cerca de 6,6 milhões de euros, a sua colecção de moda e design avaliada em dez milhões de euros, aponta como “escandaloso o que se passa com a conservação das peças”. Segundo afirma, estas “não são devidamente recuperadas para exibição pública”, sendo as peças de moda “sujeitas sistematicamente a períodos indevidos de exposição”.

Além do “tratamento inaceitável dado ao acerco”, Francisco Capelo acusa Bárbara Coutinho de “usurpação de poderes”, por alegadamente ter exercido “funções que são inerentes ao conselho de gestão” e também de não ter prestado contas a este órgão sobre assuntos como “a instalação de uma livraria, a contratação de pessoal de apoio, a aquisição de novas obras para o acervo da colecção e a utilização de espaços para finalidades comerciais”.

O coleccionador dá ainda conta de atrasos em pagamentos a fornecedores, que o terão levado, “para defesa do bom nome da câmara e do museu”, a “pagar às entidades vendedoras, mediante a sua obrigação escrita em devolver os fundos adiantados uma vez regularizadas as situações em dívida pela câmara”. Em 2011, Francisco Capelo solicitou mesmo a realização de uma auditoria à direcção do Mude.

Esse procedimento acabou por ser concretizado pelo Departamento de Auditoria Interna da câmara, na sequência de um despacho de António Costa em que se justificava a sua necessidade com “a gravidade das imputações” feitas pelo coleccionador. Segundo o relatório final dessa auditoria, que o PÚBLICO consultou (na sequência de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos exarado depois de o presidente da câmara ter começado por recusar o acesso ao documento) só uma das acusações feitas por Francisco Capelo foi considerada comprovada: a de que houve “irregularidades no processo de abertura, funcionamento e encerramento” de uma livraria, que esteve instalada no Mude entre Maio e Dezembro de 2009.

Isto porque, concluiu a inquiridora Marta Brazão Santos, se verificou a “inexistência” de “suporte legal da relação contratual entre a livraria e a câmara”, de “suporte contabilístico comprovativo da receita arrecadada” e de “documentação comprovativa relativamente ao fecho de contas da livraria”. A esse respeito diz-se ainda que “não foi possível obter provas claras e contundentes quanto à autoria dos factos irregulares apontados”.

No âmbito dessa auditoria, a directora do Mude rejeitou todas as acusações do coleccionador e afirmou que “do ponto de vista da gestão financeira e administrativa, todos os procedimentos são dirigidos, aprovados e acompanhados pela Direcção Municipal de Cultura”. Bárbara Coutinho declinou prestar esclarecimentos ao PÚBLICO, remetendo qualquer informação para a vereadora da Cultura.

Questionada sobre se o executivo mantinha a confiança na directora do Mude e se considerava haver algum fundamento nas situações criticadas por Francisco Capelo, a câmara transmitiu ao PÚBLICO, através do pelouro da cultura, que essas denúncias “foram objecto de processo de inquérito que não determinou a mudança da directora do Mude". O município diz ainda que “o Conselho de Gestão da Colecção Francisco Capelo é o órgão responsável apenas pela gestão cultural da referida colecção”, pelo que “não tem que ser consultado sobre o projecto de arquitectura” recentemente aprovado.

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