Fortaleza e Dili: duas declarações, uma mão cheia de nada?

A questão do pragmatismo no Direito internacional e nas relações diplomáticas não é nova e com o apagamento da ONU e a distração da UE, esta última ainda sem saber sequer se existe, o pragmatismo vai tomando conta do terreno.

Recentemente, o globo assistiu a duas cimeiras mundiais e multilaterais concluídas com declarações em português.

A primeira, e após os sentimentos nacionais contraditórios em consequência da "Copa", em Fortaleza, com o encontro "Cúpula" dos BRICS. Nessa declaração, extensa, tematicamente abrangente (72 pontos com uma calendarização já para o próximo futuro) e com uma eficácia determinada, os BRICS assumem-se como um bloco mundial, que já ultrapassa o mero plano do debate e do diálogo, entrando claramente no plano da ação concreta.

A criação de um fundo de 100 mil milhões de dólares, de um banco comum já com o modelo de governance aprovado, a cooperação técnica ao nível do comércio e finanças, a cooperação ativa com a ONU e outras organizações internacionais e o próprio guião de matérias a desenvolver fazem deste conjunto de países, unidos, e deste encontro um passo em frente na construção de uma potência mundial a ter muito em conta. Sem debater a questão da articulação política – o espaço geográfico dos membros entre si não concorre para esse debate – e sem grandes questões existencialistas de funcionamento, os BRICS vão fazendo o seu caminho e a sua intervenção programática deve estimular tanto a UE como os próprios EUA, nomeadamente no combate à pobreza, à desigualdade de oportunidades, à fome e à segurança globais.

Em Fortaleza, não houve palavras meias nem de circunstância. Recomenda-se a leitura da declaração e regista-se que os media do hemisfério Norte deram pouca importância ao encontro e às suas conclusões. Distraídos e seguros de que tudo vai bem na terra do "desenvolvimento adquirido", os ocidentais do Norte continuam felizes (?)

A segunda realizou-se em Díli, no encontro da CPLP. A entrada da Guiné Equatorial foi o tema central, que fez esquecer toda a matéria relevante a debater num espaço da língua portuguesa que pode ser mais aprofundado para o desenvolvimento social e económico. Compreende-se a complexidade do tema "entrada do novo membro" considerando a violação dos direitos fundamentais nesse país. Contudo, ficar por esse tema é muito pobre. Pouco se terá avançado, a não ser na participação acionista do novo membro na banca portuguesa.

Do ponto de vista dos direitos fundamentais, ambos os encontros estão eivados de problemas. Se na Guiné Equatorial a violação de direitos essenciais parece ser de entendimento esmagador, na Rússia, na China, na Índia e mesmo no próprio Brasil é preciso refletir se esses direitos estão a ser cumpridos.

Nuns a população já se revoltou e continua a revoltar-se, como por exemplo no Brasil, noutros a falta de notícias não é bom indício para a liberdade de expressão.

A questão do pragmatismo no Direito internacional e nas relações diplomáticas não é nova e com o apagamento da ONU e a distração da UE, esta última ainda sem saber sequer se existe, o pragmatismo vai tomando conta do terreno. Mãos cheias de nada? Não. O pragmatismo normalmente faz acontecer qualquer coisa. Então cheias de quê?

Advogado

Sugerir correcção
Comentar