O dia em que Mariana, a miserável mergulhou numa parede

É um romance. Aconteceu no Festival Walk&Talk, numa praia açoriana. A ilustradora pegou numa página do livro "Todas as Cartas de Amor", de Paulo José Miranda, e deu-lhe outra dimensão. "Esta parte do livro fala mesmo de um mergulho dentro dela", contou ao P3

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Paulo Pimenta

Ela não está habituada a subir a andaimes ("Não sabia se tinha medo de alturas") nem tem perfil para pintar às três da manhã ou para fugir da polícia. Ela não é a verdadeira artista de rua ("Posso experimentar, mas tenho a certeza que serei apanhada rapidamente"), mas o Walk&Talk desafiou-a e Mariana, a miserável mergulhou. De cabeça. Uma das suas ilustrações saltou do livro "Todas as Cartas de Amor" (pela editora Abysmo), de Paulo José Miranda, para uma parede da praia Pópulo (lugar de Rosto de Cão, na ilha açoriana de São Miguel). E ela saltou do papel para uma parede de dez metros. "Quando subi ao andaime a primeira vez estava toda a tremer", confessou ao P3.

Como é que Mariana, a miserável aparece numa praia açoriana?

A peça partiu da ilustração que eu fiz para o livro "Todas as Cartas de Amor", de Paulo José Miranda, que eu ilustrei há dois meses e saiu agora. Era uma das minhas ilustrações preferidas. Decidi trazê-la para cá, adaptá-la um pouco e achei que não havia melhor sítio do que a praia, principalmente nos Açores. São 70 cartas de amor, mas o livro também fala muito do mar, da água e da distância que o separa a ele, que estava no Brasil, e a ela, que está na Europa. Não há melhor sítio do que uma ilha... Maior parte dos meus trabalhos são verticais, mas torneio-o horizontal e acho que funcionou mesmo bem.

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Tenho tantas saudades do impossível! Paulo Pimenta

É um mergulho literal...

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Hoje tudo é possível Paulo Pimenta

Esta parte do livro fala mesmo de um mergulho dentro dela. Não é uma passagem com conotação sexual... ele é mesmo um romântico. Eu decidi interpretar isso literalmente e criei esse "mergulhador".

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Mas não é de mim que tenho saudades Paulo Pimenta

A parede assustou-te?

O facto de ter uma parede é completamente diferente porque eu costumo desenhar coisas pequeninas. Muda tudo: em vez de usar um pincel zero ou um porta minas, que é o que eu uso, uso materiais em escalas completamente diferentes. Para mim foi um desafio incrível de repente ter uma parede de dez metros. Eles a dizerem-me 'consegues tomar conta disso?' e eu 'consigo!'; 'tens medo de alturas?' e eu 'não sei!'". Eu não sabia se tinha medo de alturas. Quando subi ao andaime a primeira vez estava toda a tremer. Aqui não é assim muito estável. Eu sei que tenho um background completamente diferente do pessoal que vem aqui, que está habituadíssimo a pintar na rua. Para mim é muito estranho ter pessoas a verem-me a pintar e por outro lado ter esta escala. Em vez de usar um pequeno pincel tenho que usar rolos e ter outra perspectiva. Mas tive muita ajuda. Toda a gente percebeu perfeitamente que eu sou uma ilustradora. O Walk&Talk fez de propósito, colocou-me numa situação diferente. Eu não quero ser uma coisa que eu não sou. Apenas transpus uma parte do meu trabalho para a rua.

E atrai-te a ideia de voltar ao tamanho XL?

Sim, claro! Eu quero! Pois... isto agora é um problema porque me apetece continuar a fazer isto. Preciso de paredes grandes (risos).

No Porto, onde trabalhas normalmente, há muitas paredes "desocupadas"...

O Porto ainda não tem um festival como este. Eu, por exemplo, não tenho perfil de quem vai fugir da polícia ou de quem vai pintar às três da manhã. Posso experimentar, mas tenho a certeza que serei apanhada rapidamente. Não corro muito e a minha atitude seria certamente entregar-me e pedir desculpa. A política do Rui Rio [ex-presidente da câmara do Porto] não ajudou nada. Mas o Porto tem grandes artistas de street art. A última exposição do Axa mostra isso mesmo. E a atitude do Rui Moreira [actual presidente] contradiz um pouco aquilo que se esteve a fazer nos últimos anos. O Porto tem um grande potencial. Tem muita gente a fazê-lo, mas de uma forma menos legal. Porque tem que ser. É pouco, porque o Porto, infelizmente, tem muitos edifícios antigos e abandonados com fachadas espectaculares que podiam ser aproveitados.

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