Rita Dias lança A gente dura, um manifesto de resistência musical contra a perda de identidade

Novo videoclip do disco Com os Pés na Terra é divulgado esta quinta-feira. Um gesto contra a perda de identidade cultural.

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Rita Dias Paulo Simões

Hoje Rita Dias tem um novo videoclip. Mas quantos saberão que ela já tem um disco? E quantos saberão, na verdade, quem é Rita Dias? A sua história cruza Coimbra, o Rio de Janeiro e Lisboa e a mistura de tudo isso resulta numa voz singular. Que no disco Com os Pés na Terra, lançado a expensas próprias, se exprime em 13 canções onde Portugal e Brasil fluem naturalmente nas palavras, melodias e ritmos. Assim é também A gente dura, samba que fecha o disco e que esta quinta-feira se estreia no universo virtual.

Logo de início podemos ler: “A gente dura é um manifesto de resistência contra a perda de identidade que evoca a cultura como fonte e destino de todas as esperanças, defende-a e defende-nos a todos da ameaça da falta dela!” E depois vemos Rita Dias a cantar e a ser “dobrada” por caras conhecidas e desconhecidas, incluindo-se nas primeiras, por ordem de entrada, António Macedo, Paulo de Carvalho, Celina da Piedade, Pedro Moutinho, Eunice Muñoz, Joana Seixas, Carlos do Carmo, José Fialho Gouveia e Nuno Artur Silva. A música, tocam-na Os Malabaristas, o seu grupo: Filipe Almeida (viola), André Rosinha (contrabaixo), Pedro Nobre (piano) e Alexandre Alves (bateria).

“Este trabalho”, diz Rita Dias, “ainda que não seja música de intervenção, porque não tem essa pretensão, é um trabalho com preocupações políticas, pela cidade e pelo lugar onde está, pelas coisas concretas que se passam e de nós não nos queremos distanciar. Esta talvez tenha sido, das músicas que fizemos, a mais arrojada e que vai direita ao assunto: independentemente do que nos façam, nós com um sorriso na cara dizemos que estamos aqui para durar. E isso é uma coisa da qual nós nos orgulhamos, porque é assim que caminhamos e devemos andar para a frente.” E ela tem andado, como se verá.

De Coimbra ao Brasil
Hoje com 24 anos, Rita Dias nasceu, cresceu e estudou em Coimbra. Mas foi concluir os estudos fora de Portugal. “Surgiu a hipótese de ir para o Brasil no último ano da licenciatura. E fui terminar a licenciatura de gestão na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. E dei o pulo para o lado de lá.” Foi, diz, “um ano de viragem”, até porque não regressou mais a casa. Na volta do Rio, foi para Lisboa, por questões de trabalho. Mas, recuando um pouco, a primeira impressão que teve do Rio de Janeiro não foi favorável. “Foi má, muito má. Nunca tinha percebido o que era sair da Europa. Uma das coisas que me fez muita confusão foi a pobreza e a riqueza muito próximas uma da outra, realidade que eu não tinha em Coimbra mas que fui descobrir um bocadinho mais também em Lisboa, agora mais acentuada do que quando eu cheguei.”

Mesmo assim, instalou-se como pôde. “A minha adaptação aos lugares é relativamente simples. Ok, estou aqui, vamos lá. A minha saída de Coimbra para o Rio, apesar de ter sido invadida por uma cidade grande, não me atrapalhou, adaptei-me. Garantindo que a casa, o lar, está assegurada, o resto vou-me adaptando.” Essa adaptação fez-se muito através da música e da observação das pessoas. “Não saí muito da cidade, não viajei muito, fora do rio fui só a Florianópolis e à Argentina.” Outra surpresa: quando saiu de Portugal rumo ao Brasil, Rita não levava quaisquer referências musicais brasileiras. Em Coimbra ouvia, por via dos pais, Fausto, Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Dulce Pontes, Carlos do Carmo. “A descoberta foi toda lá. A minha ligação com a música, desde que me lembro, com concursozinhos de flauta ou cantar nas festas da escola, não era séria porque não pensava fazer daquilo uma carreira.” Para Rita, a carreira seria gestão. “A organização e o método são coisas naturais em mim, e achei que devia explorar isso.” E assim fez: hoje trabalha num banco, mas acabou por seguir também a via da música.

O que a levou a isso? À chegada do Brasil, depois de ter despertado para a música lá (“fui percorrendo compositor a compositor, a Lapa também me ajudou muito”), sentiu necessidade de sintetizar o que ali aprendera. Filipe Almeida, hoje seu parceiro de composição mas na altura seu professor (foi ele que a encaminhou para o Brasil, para continuar os estudos), ajudou-a a sedimentar as descobertas. “Na ânsia de querer trazer para cá e de colmatar as saudades que eu tinha daquele lugar, porque o choque que eu tive foi também muito positivo, entrei num concurso e procurei o Filipe para tocar.” Depois teve outro projecto musical com versões de músicas portuguesas e brasileiras: o 6 em Ponto. Ainda tocaram em Coimbra e em Lisboa, no Teatro da Comuna (o mote era: “canções portuguesas e brasileiras encontram-se numa história…”). Não lhe bastou e começou a compor. E a mostrar ao ex-professor. “A primeira não foi, a segunda não foi, até que apareceu a canção Choraminguice. Que foi buscar todas as outras.”

O disco de estreia
E assim nasceu o disco Com os Pés na Terra, onde palavras e histórias portuguesas soam embaladas com ritmos brasileiros sem que isso pareça forçado ou contra-natura. Rita Dias foi escrevendo e compondo, em parceria com Filipe Almeida. E assim nasceram canções como Choraminguice, Fado-nação, Enjoada de amor, Manifesto, Príncipe Real, Marcha Blues, Restavek e Simplesmente Maria. Mas também há duas canções assinadas apenas por Filipe, Pontapés na Gramatica (assim mesmo, sem acento, quem ouvir a canção e ler os seus jogos de palavras perceberá porquê) e A gente dura, que serviu de base ao videoclip estreado esta quinta-feira.

E há, ainda, versões de temas alheios, como Maria das Dores (de José Luís Gordo e António Zambujo), Os cantores da minha terra / O escritor (de Fernando Tordo) ou o cruzamento entre Os Meninos de Huambo (de Manuel Rui Monteiro e Ruy Mingas) com Gente humilde (de Chico Buarque, Vinicius de Moraes e Garoto). “Foi um dueto que o Filipe preparou para o 6 em ponto, cantado por nós os dois. Mas quando pensei em pô-lo no disco achei que não cantar Os meninos do Huambo, por isso chamámos o Paulo de Carvalho, que aceitou e cantou connosco” (há outro vídeo com este registo).

Esta mistura Portugal-Brasil explica-a Rita Dias deste modo: “Vivi intensamente o outro lado e senti que ganhei uma nova naturalidade, só que afectiva. Passei a ter dentro de mim uma parte brasileira, porque foi um ano de muitas descobertas e de uma viragem muito importante na minha vida. Fui uma pessoa e vim outra. Este disco nasce desta busca para trazer o Brasil para aqui, para poder saboreá-lo sem ter de viajar.”

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