Gaza, a "maior prisão ao ar livre do mundo"

O exército israelita avisa sobre os bombardeamentos antes de disparar. Mas, na Gaza bloqueada, para onde podem fugir os civis?

Há imagens que acompanham todas as guerras – bombas a cair levantando o pó da destruição, clarões de disparos de artilharia, mortos, pessoas a gritar e a chorar com raiva e despero, pessoas fugindo, chegando ao país do lado, tendas de refugiados brancas do outro lado da fronteira. Vimos estas imagens na Síria ou no Iraque. E em Gaza? Também. Excepto as imagens dos refugiados em fuga. Porque em Gaza não há fronteira para atravessar, nem tendas brancas do outro lado para acolher quem foge da guerra.

Os habitantes da Faixa de Gaza chamam-lhe a maior prisão ao ar livre do mundo.

Em resposta aos bombardeamentos israelitas, às acusações do Hamas usar civis como escudos humanos, aos avisos por telefone ou sms do exército israelita para evacuarem uma dada área, a pergunta dos residentes era repetida uma e outra vez: “Fugir, mas para onde?”

Uma série de organizações de defesa de direitos humanos de Israel pediram esta semana ao Estado hebraico que proporcione corredores humanitários seguros para que as pessoas pudessem fugir de combates. Até agora, durante o conflito, Israel permitiu a saída de cerca de 800 palestinianos com dupla nacionalidade.

As organizações lembram que o território é densamente povoado e que a evacuação de uma série de zonas é quase impossível de conseguir porque não há zonas seguras para onde ir. Os ataques a escolas geridas pela UNRWA, organização da ONU responsável pelos refugiados palestinianos, mostram isto mesmo.

A UNRWA conta mais de 200 mil deslocados nestas três semanas de conflito, acolhidos em 85 centros improvisados. Em Gaza a grande maioria da população (1,2 entre um total de mais 1,5 a milhões) são refugiados, palestinianos que viviam em território que é agora Israel e fugiram em 1948, quando foi criado o Estado judaico. Meio milhão deles vivem em oito campos oficiais da UNRWA.  

Mais de 80% dos habitantes de Gaza são dependentes de ajuda, um número que aumentou à medida em que o território foi progressivamente mais fechado.

Houve alguns anos com uma expectativa de liberdade. Mas um aeroporto e um porto, construídos após os Acordos de Oslo de 1993, encerraram e foram destruídos pouco depois. O número de pessoas autorizadas a sair – a maioria para tratamento médico no Egipto ou Israel, em "casos humanitários graves" – diminuiu radicalmente.

As expectativas de quem vive em Gaza são as mesmas de que noutros sítios do mundo, comentava Said Jnead, um agricultor de 53 anos, ao diário britânico The Telegraph, numa reportagem feita há alguns meses. Olhando para o filho de 13 anos, Jnead dizia: “Quero que ele seja médico ou advogado - tenho as mesmas aspirações que um pai no Ocidente. Mas aqui, com as coisas como estão, que hipótese é que ele terá na verdade?”

Em Gaza nem o mar poderia ser opção de escapatória. Aliás, os pescadores têm sido dos mais afectados pelo bloqueio, com a marinha israelita a controlar quem passa as três milhas náuticas impostas como limite – antes eram seis, já foram nove. De vez em quando distraem-se atrás de um peixe e dão por si a ultrapassar os limites e na mira dos militares israeltias.

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