Ex-deputado do PS contraria Luís Amado e critica a “concepção viciada” do negócio das contrapartidas

Joaquim Ventura Leite foi ouvido esta terça-feira de manhã na comissão de inquérito sobre a sua investigação parlamentar de há oito anos.

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Rui Gaudêncio

“As contrapartidas não são embuste nenhum”, esclareceu Ventura Leite, negando assim o adjectivo ontem utilizado pelo ex-ministro Luís Amado nesta mesma comissão de inquérito. Curiosidade: o primeiro era deputado do PS quando o segundo era ministro, no primeiro Governo de José Sócrates. Ao longo desses quatro anos (2005-2009), o deputado eleito por Setúbal fez o primeiro relatório sobre as contrapartidas nos avultados negócios de compra de material militar.

Nesse documento, aprovado por unanimidade na comissão de economia, e subscrito pelos deputados António Filipe (PCP) e Hugo Velosa (PSD), Ventura Leite concluiu que “o Estado tinha sido absolutamente negligente, no mínimo”. Terá sido, até, na opinião deste economista, “extremamente incompetente, com prejuízo para o país”. 

Sobretudo, esta foi a tese principal do ex-deputado, porque havia no Estado um enorme “amadorismo”. Resultado: “Portugal não beneficiou das contrapartidas” como outros países.

Uma das razões, que já vinha sendo levantada nas audições anteriores, prende-se com a proliferação de “intermediários”. Ventura Leite confirmou: “O Estado entregava o processo a terceiros, a um intermediário. O processo presta-se a todo o tipo de negociatas.”

Porém, boa parte do tempo útil desta audição, que durou duas horas e meia, não foi dedicado a perceber estas falhas. Foi, antes, dedicado a ler o passado à luz das grelhas partidárias do presente.

Ventura Leite guardou para o fim uma declaração sobre esse assunto: “Esta comissão pode ter um resultado histórico se aceitar que há algo transversal a todos os actores políticos: a incapacidade de gerir este processo.” Ou seja, uma reflexão consensual em vez de um apuramento de “quem teve mais responsabilidades” ou de um “determinado resultado”.

Mas a história de Ventura Leite prestava-se a uma leitura bastante política das tais responsabilidades. Tudo começou, há oito anos, numa queixa de dois empresários “que se sentiram profundamente lesados”. Foi criado um grupo de trabalho, que chegou a “conclusões extremamente preocupantes”.

Depois de aprovado o relatório, Ventura Leite sugeriu ao seu grupo parlamentar a criação de uma comissão de inquérito. A resposta de “alguém da direcção do grupo” que o ex-deputado recusou identificar, foi clara: “Nesta altura não convém.” Ventura Leite insistiu. Sugeriu que as conclusões do grupo de trabalho fossem enviadas para o Tribunal de Contas. A proposta foi chumbada, na comissão de economia, com os votos contra do seu próprio partido.

Esta parte da história, que revela a “independência de espírito” do ex-deputado, como qualificou António Filipe, serviu para uma persistente troca de acusações, hoje, entre os deputados José Magalhães, do PS, e Cecília Meireles, do CDS. “Uma canelada”, queixou-se Magalhães, que aproveitou para citar António Gedeão e o poema que lamenta a falta de um “fecho éclair” a Filipe II. 

No final, outra acusação. Desta vez, António Proa, do PSD, acusou António Filipe, do PCP, de apresentar um “preconceito” sobre os trabalhos da comissão de inquérito. Para o deputado do PSD, as declarações do colega comunista, num programa da SIC Notícias, revelaram a ausência “de um verdadeiro espírito de procura da verdade”.

António Filipe reagiu, com humor, considerando “um absoluto despropósito” a intervenção de António Proa. “Não tenho de pedir autorização ao PSD para fazer qualquer intervenção política”, referiu. 

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