Há professores que são mestres mas têm de ir a tribunal para dar aulas

Escola Superior de Educação diz que é a tutela que tem de resolver o problema de 150 diplomados de várias escolas. Ministério está a “estudar” caso. Alunos e ex-alunos podem vir a exigir indemnizações por terem feito um mestrado sem saída.

Foto
Professores têm tido problemas jurídicos e burocráticos para dar aulas Adriano Miranda

Lisete Capelas, 39 anos, é finalista do mestrado em Ensino de Inglês e de Francês ou Espanhol no Ensino Básico da Escola Superior de Educação (ESE) do Porto e não tem grupo de recrutamento que encaixe nas suas habilitações para dar aulas. Garante que alguns colegas já foram para tribunal e há casos em que chegaram a ser colocados em escolas e viram o contrato anulado a meio do ano. O Ministério da Educação e Ciência (MEC) está a “estudar” uma forma de resolver o problema.

Em causa está um imbróglio jurídico, que resultou da publicação de sucessiva legislação que fez com que estes alunos ficassem sem grupo de recrutamento. A combinação de disciplinas e graus de ensino existentes nos actuais grupos faz com que não encaixem em nenhum. Por exemplo, para encaixarem no 220, que lhes permitiria candidatarem-se a dar aulas de Português/Inglês ao 2.º ciclo, falta-lhes o Português; no 350, que serve para dar Espanhol ao 3.º ciclo e secundário, falta-lhes habilitações para dar aulas ao secundário. E assim noutros grupos. Perante isto, a aluna questiona: “Onde ficamos? Então para que serve o mestrado? Por que mereceu este ano uma avaliação positiva da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) por mais cinco anos? Para enganar futuros alunos?”

O MEC reconhece o problema e está “a estudar a forma de criar as condições para que os mestres diplomados” por este perfil de curso “possam qualificar-se profissionalmente para os grupos existentes”.

A ESE do Porto já não abrirá este ano inscrições para o mestrado, permitindo apenas que quem o frequenta o acabe. A instituição argumenta que o MEC, “enquanto entidade legisladora, obrigou as ESE a extinguir os cursos de formação de professores que ofereciam e a propor novos cursos”, de acordo com legislação de 2007. Porém, “o mesmo ministério, enquanto entidade empregadora, não aceita essas mesmas regras, não dando saídas profissionais aos diplomados de alguns desses cursos”.

Explicam que, ao longo de sete anos, o mestrado “se viu enquadrado por dois regimes jurídicos incompatíveis” – um decreto-lei de 2006, que regulamenta os grupos de recrutamento, e um de 2007, que regulamenta a habilitação profissional para a docência. Argumentam que a ESE do Porto, “tal como” outras instituições públicas de formação de professores, “abriu os cursos de mestrado de habilitação profissional para a docência previstos” no decreto-lei de 2007 “na expectativa” de que a tutela “viesse a adequar os grupos de recrutamento” às novas formações: “Lamentavelmente, o MEC percorreu o caminho inverso, obrigando, agora, as ESE a retomar, no caso particular das línguas estrangeiras, o modelo de formação de professores que existia antes da implementação do processo de Bolonha.”

A ESE afasta qualquer “responsabilidade” na situação “criada pela tutela” e garante que “tem desenvolvido todos os esforços” para resolver a questão. Estão a aguardar, “há algum tempo, um despacho do gabinete” do ministro da Educação Nuno Crato, que acreditam “irá resolver o problema”: “Mas o facto é que até agora, nada foi publicado. O Estado tem a obrigação legal e moral de salvaguardar os legítimos direitos dos cerca de 150 diplomados/estudantes deste mestrado oferecido em diversas ESE”, alerta. Um outro decreto de Maio de 2014 extinguiu o curso, avaliado e acreditado pelo prazo máximo de cinco anos pela A3ES, em Fevereiro de 2014.

Já o MEC explica que o enquadramento do que deve ser um mestrado em Ensino de Inglês e de outra língua estrangeira no Ensino Básico foi criado, por decreto-lei, em Fevereiro de 2007, mas já nesse ano o que foi definido “não se encontrava adequado aos grupos de recrutamento” previstos noutro decreto de 2006. A tutela considera que a situação foi corrigida com nova legislação, em 2014, que “suprimiu” os mestrados com este perfil e aprovou um novo regime legal de qualificação profissional para a docência.

Pedidos de indemnização
Lisete Capelas, revoltada com o que considera ser uma “situação profundamente fraudulenta”, fala num “caso degradante de um mestrado da ESE do Porto” que “não serve para nada”. Conta que, durante alguns anos, houve alunos que chegaram a dar aulas, mas depois foram alvo de denúncias, segundo as quais não reuniriam os requisitos necessários para concorrer e os processos chegaram a tribunal. Diz que, para verem a candidatura ao concurso nacional de professores validada, os colegas têm de recorrer à justiça: “Temos de ir a tribunal lutar pelo nosso lugar na escola onde somos colocados pelo MEC ou pelas ofertas de escola às quais concorremos”, diz Lisete Capelas que ainda vai defender a tese e que em Setembro queria “responder às ofertas de escola”.

Carla Lopes, 42 anos, que fez este mestrado, candidatou-se no ano passado a dar espanhol numa escola pública e foi colocada. Porém, após denúncias de colegas de outra instituição de ensino superior, viu o contrato suspenso a meio do ano. Recorreu, num processo com várias fases, que envolveu a Direcção-Geral da Administração Escolar (DGAE), a tutela, uma providência cautelar e uma acção principal interpostas pela docente, ganhou e acabou readmitida na escola. Mas não sabe se a questão fica por aqui, porque houve recurso. “Já vou em 1200 euros só com custas de tribunal”, diz Carla Lopes.

A professora conta que há situações com desfechos diferentes, o que a leva criticar a falta de coerência nas decisões: candidaturas que não foram validadas no último concurso nacional; casos em que, com providências cautelares, se travou a anulação dos contratos; e outros em que não foi necessário ir a tribunal, porque os directores das escolas mantiveram os contratos. Carla Lopes garante que há um grupo de perto de 20 alunos e ex-alunos que pondera agir judicialmente contra a ESE, pedindo indemnizações à instituição por ter recebido inscrições para um mestrado sem saída.

Este mês Crato garantiu que, em 2015/2016, todos os alunos do 3.º ano – e depois do 4.º  – passarão a ter Inglês obrigatório. O governante quer criar um novo mestrado e abrir um concurso extraordinário com um grupo de recrutamento específico. Mas, para já, será dada formação complementar a docentes de diferentes graus de ensino. Lisete Capelas quer saber se está habilitada a dar estas aulas, mas o MEC não esclareceu.

Sugerir correcção
Comentar