O estranho caso da comissão do Governo cujo arquivo estava à guarda de um conhecido escritório de advogados

Um adjectivo para as contrapartidas militares? “Imaginárias”, diz Álvaro Santos Pereira, “um embuste”, repete Luís Amado. E o que tem o GES a ver com isto?

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Quando entram na sala 6, os deputados que integram a comissão de inquérito às contrapartidas negociadas no âmbito da aquisição de armas e veículos para as Forças Armadas olham para a parede do seu lado esquerdo. Ali estão, alinhados em duas filas, os retratos, da época, de todos os ex-presidentes da Comissão de Direitos Liberdades e Garantias. Todos comentam a juventude de Guilherme Silva ou a cabeleira de António Vitorino.

Quando se sentam, os deputados também voltam atrás no tempo. A uma época em que Portugal gastava centenas de milhões em helicópteros, submarinos, blindados com rodas, torpedos e aviões. Um tempo, há 10 anos, em que José Mourinho ainda treinava o Porto, Durão Barroso ainda era primeira-ministro e Paulo Portas já era um ministro importante.<_o3a_p>

Tão importante que ainda hoje se debate, acaloradamente, parte do seu legado.  A primeira audição do dia coube a um ex-colega de Portas no actual Governo. Álvaro Santos Pereira regressou, de manhã, ao Parlamento, com a língua afiada. Disse aos deputados da comissão de inquérito que a ideia de resultarem benefícios económicos para o país das contrapartidas militares é “uma autêntica falácia”. <_o3a_p>

O ex-ministro assumiu, no Parlamento, que as contrapartidas negociadas pelos vários governos em nome do Estado português na compra de equipamento militar eram "imaginárias", devido ao seu grau de incumprimento generalizado. "O modelo das contrapartidas foi desenvolvido para convencer a opinião pública de que a compra de material militar era neutra", justificou, classificando-as de "imaginárias".<_o3a_p>

Segundo Santos Pereira, "este tipo de contratos foi realizado em vários países, num determinado contexto, poucos anos depois da Guerra Fria, no qual investir na Defesa não era popular”.<_o3a_p>

A maioria destes contratos calha no período em que o líder do CDS tinha a pasta da Defesa.<_o3a_p>

Luís Amado foi o seu sucessor, entre 2005 e 2006. A frase que mais repetiu, ao longo de duas horas de audição, foi, em boa parte, dirigida a Portas: “Parto sempre do princípio da boa-fé”, “as pessoas quando estão em funções agem sempre no interesse do país”. Esta comissão procura, como lembrou José Magalhães, deputado do PS, “saber se o interesse público foi defendido” no que toca à execução das contrapartidas. Olhando para a baixa taxa de execução destes contratos, como o dos submarinos, o dos blindados Pandur, o dos torpedos e o dos aviões C295, a pergunta é pertinente.<_o3a_p>

Amado assinou o contrato dos aviões. Os restantes são todos do tempo em que o actual vice-primeiro-ministro era titular da pasta da Defesa. “Não faço juízos sobre as decisões tomadas pelos meus antecessores”, repetiu Amado, sublinhando a boa “relação pessoal” que mantém com Portas.<_o3a_p>

"Recusei todas as opiniões que me diziam para não falar nem mexer neste dossier, de pessoas ligadas ao meu gabinete, de amigos, que diziam que este assunto tem grande passivo reputacional devido a ser uma questão polémica há muito tempo", contou aos deputados Álvaro Santos Pereira.<_o3a_p>

Os deputados José Magalhães (PS), António Filipe (PCP) e João Semedo (BE) insistiram em saber quem teria aconselhado o ex-ministro da Economia do actual Governo a não "mexer no assunto submarinos", cujo contrato fora formalizado em 2004 por Portas. Sem êxito, nesse aspecto.<_o3a_p>

Esta é, a todos os títulos, uma história exemplar. Rui Neves, que presidiu à comissão permanente de contrapartidas, entre 2005 e 2007, o organismo estatal que juntava quatro elementos do ministério da Defesa e outros tantos do da Economia para monitorizar os contratos que gerariam investimentos avultados das empresas que venderam material militar, garantiu aos deputados que a comissão nem sequer tinha arquivos quando ele tomou posse. Nem conseguiu reunir com a equipa anterior, presidida por Pedro Brandão Rodrigues, que será ouvido esta terça-feira.<_o3a_p>

Foi um advogado, Sérvulo Correia, que telefonou a Rui Neves, vários meses depois da posse: “Senhor engenheiro, tenho aqui o arquivo da comissão para lhe entregar.” O escritório de Sérvulo Correia, e uma empresa do GES, a Escom, foram aliás referidas durante as audições da tarde, a Rui Neves e Luís Amado. Citando outro ex-presidente da comissão de contrapartidas, Pedro Catarino, o deputado comunista António Filipe perguntou ao ex-ministro socialista se não se incomodava com a “dependência crónica” que o Estado tinha daqueles dois privados. Amado anuiu. “Questionei e não achei que fosse um bom princípio. Mas mantive essas orientações”.<_o3a_p>

Rui Neves foi mais claro. “A Escom é entidade que apareceu ligada a demasiados contratos de contrapartidas”, afirmou. De tal maneira que, ao chegar à comissão de acompanhamento, Neves ficou confuso: “Pensei que a Escom tinha sido contratada pelo Estado, se até ia às reuniões…”<_o3a_p>

Com contrato, via ministério da Defesa, só o escritório de Sérvulo Correia. A comissão a que Rui Neves presidia foi informada de que existia uma assessoria jurídica daquele escritório. “Nunca perguntei quanto custava, recorri quando foi preciso.” com Lusa<_o3a_p>

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