Até onde pode, ou quer, ir Israel na guerra de Gaza?

Israel pede a desmilitarização do movimento Hamas. Mas analistas avisam que o futuro poderia trazer um inimigo pior.

Foto
86,5% dos israelitas não querem um cessar-fogo já Ronen Zvulun/Reuters

Em 20 dias de operação militar em Gaza, o objectivo de Israel mudou várias vezes – restaurar a calma, a destruição dos túneis, ou mesmo a desmilitarização do Hamas.

Houve vários factores que levaram Israel a pôr a fasquia mais alta: o número de soldados mortos, que logo nos primeiros dias ultrapassou o de conflitos anteriores com o Hamas, e o facto de o movimento islamista ter surpreendido, conseguindo disparar rockets até Telavive que embora sem causar grandes estragos, provocaram medo suficiente para levar companhias aéreas a cancelar viagens.

O apoio público à operação é grande: uma sondagem do Jerusalem Post indicava que 86,5% dos israelitas não querem um cessar-fogo já, temendo que o conflito regresse ao statu quo anterior, e que daqui a algum tempo volte a haver nova guerra. A actual operação militar provocou uma destruição sem precedentes no território, mais de 1060 mortos entre os palestinianos de Gaza, a maioria deles civis, e ainda 43 baixas entre soldados israelitas (para além da morte de três civis, um deles um trabalhador tailandês).

Analistas questionam o que o Governo vai apontando como objectivos. O primeiro-ministro tanto falou do fim dos túneis como da desmilitarização do Hamas. Quanto aos túneis, o exército declarou que foi surpreendido pelo seu número e complexidade. Foram encontrados 30 túneis, e estes continuam a ser destruídos, dizem as autoridades israelitas, que não especificam quantos poderão faltar – talvez porque não possam saber o seu número exacto. O exército egípcio anunciou pelo seu lado a destruição de 13 túneis ligando Gaza ao Sinai.

Os rockets e mísseis são outro problema. Até agora, Israel estima que o Hamas tenha disparado um terço do seu arsenal e que as suas forças tenham destruído outro terço. O restante seria suficiente para o Hamas continuar a atacar Israel durante semanas. O país continuaria com o Sul paralisado, as pessoas a viver em abrigos, e as maiores cidades em alerta. Mas para assegurar que não haveria mais rockets, seria preciso passar Gaza a pente fino. Isso só seria possível com uma operação muito mais longa e com um esperado número de vítimas militares demasiado alto para o Estado hebraico.

Tudo isto leva analistas a duvidarem da possibilidade de desmilitarização: “Para neutralizar militarmente o Hamas, Israel teria de entrar em todas as casas de Gaza, e debaixo delas”, comentava Martin van Creveld, historiador militar israelita, citado pela Economist. “E mesmo assim, não iria resultar.”

Assim, diz Aaron David Miller, antigo negociador do Departamento de Estado dos EUA, “a desmilitarização é impossível sem uma solução diplomática em que o Hamas concorda desistir das armas em troca de uma mudança nas condições económicas e políticas em Gaza, talvez um tipo de mini plano Marshall”. Não é uma ideia defendida pelo campo da paz, mas por responsáveis como o antigo ministro da Defesa Shaul Mofaz. Mas Miller admite que pode ser fantasiosa: “Enquanto isso, no planeta Terra…”, diz, defendendo de seguida apenas um acordo para acabar com a violência.

Dos Estados Unidos vêm mais vozes cautelosas para todos os que têm pedido a destruição do Hamas nesta operação. “Se o Hamas fosse destruído e desaparecesse depois desta operação, iríamos provavelmente acabar com algo muito pior”, disse Michael Flynn, o chefe cessante da Agência de Informação de Defesa dos EUA, numa conferência dedicada a questões de segurança em Aspen (Colorado). Olhando para a região, Flynn nota que “uma ameaça pior poderia aparecer neste tipo de ecossistema, algo como o ISIS”, o grupo que tomou conta de parte do Iraque, anunciou um califado, e tomou medidas como destruir igrejas cristãs, mesquitas xiitas, ou instituir o uso da burqa para todas mulheres.

Em Gaza, depois da tomada de poder pelo Hamas, surgiram grupos salafistas mais radicais criados por combatentes que não se reviam na viragem do movimento e que se revêm mais numa jihad global do que um nacionalismo palestiniano. Até agora, estes têm sido mantidos relativamente inócuos para Israel também graças à acção do movimento que controla o território, que teme o desafio dos radicais para a sua própria autoridade. O que poderia acontecer com o desaparecimento do Hamas é uma incógnita.

Num artigo de opinião publicado no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, o escritor israelita Etgar Keret lembrava: “Antes do Hamas, lutámos contra a OLP [Organização de Libertação da Palestina, de Yasser Arafat] e se o Hamas for destruído – e se continuarmos todos aqui – iremos lutar contra outra organização palestiniana”. Porque “mesmo que morresse até o último combatente do Hamas, ninguém acreditaria mesmo que isso significasse a destruição do desejo de reconhecimento nacional palestiniano”.

Sugerir correcção
Comentar