A propósito dos 800 anos da Língua Portuguesa comemorados a 27 de Junho

O “Canal de Moçambique” foi convidado pelo prestigiado jornal “Público”, da terra de Camões, a associar-se à celebração dos 800 anos da Língua Portuguesa e imediatamente aceitámos aderir.

Aceitámos porque somos uma publicação que sem esse instrumento de comunicação não existiria, e também porque somos de um país em que esta mesma Língua é constitucionalmente (Artigo 10) a Língua Oficial. E assim sendo, permite, sem se ferir a importância das línguas nacionais, que a diversidade étnico-linguística possa entrar num processo de osmose mais fluido e tendente a permitir-nos chegar a um patamar em que a Unidade Nacional deixe de ser um mero exercício de retórica, se bem que a Língua seja apenas um dos segmentos da construção desse objectivo.

“27 de Junho de 1214 é simbolicamente considerado o dia do nascimento da nossa língua por ser o dia do documento mais antigo que se conhece escrito em português. É o testamento do terceiro rei de Portugal, Dom Afonso II”, refere Bárbara Reis, directora do “Público”, no e-mail em que nos propôs que aderíssemos a este simpático projecto de  celebração que abrange vários quadrantes deste nosso planeta cada vez mais global, em que também outras línguas, que nem Luís de Camões soube que existiam, participam na construção desta aldeia global para a qual também a Língua Portuguesa acabará por contribuir – nem que seja o nosso Português, o dos que quis a História que nos irmanássemos por via dela.

Não nos atrevemos a eleger o Português como “A Língua”. Somos todos, afinal – na nossa Redacção – apenas uns modestos cultores da Língua que nos permite comunicar. Para muitos de nós, neste pequeno grupo que tem a Língua Portuguesa como uma das suas principais ferramentas, esta nem é a primeira Língua, se bem que cada vez mais em Moçambique haja casais de raiz bantu cujos filhos já nem falam as línguas maternas dos seus progenitores e, por isso, nos pareça que nos encaminharemos rapidamente para que o Português seja cada vez mais uma língua materna do que uma Língua Oficial.

À nossa volta, há também cada vez mais línguas que se cruzam, tal é o grau de cosmopolitismo crescente em Moçambique, mas, sem dúvida alguma, esta imigração, mais do que nos pôr a falar muitas outras línguas – ainda que quanto mais poliglotas formos, melhor todos possamos comunicar uns com os outros – está a oferecer-nos a oportunidade de nos tornarmos também obreiros de uma nova variante desta também nossa Língua, agora já quase a querer que lhe chamemos Moçambiquês.

Anglicismos, arabismos, francofonismos e outros empréstimos também cabem, tal como cabe o muito nosso “maningue”, que faz de Moçambique um espaço “maningue chonguila” (muito bonito), nesse tal Moçambiquês do qual o Português, pelo que se presume, nunca deixará de ser a sua língua matriz.

A Língua Portuguesa, para os que a cultivam nas suas vertentes ortográfica, sintáctica, morfológica, pela sua riqueza e pelas metáforas que com elas vamos construindo, tem estado a conquistar, de dia para dia, mais e mais adeptos em Moçambique. Uns aprendem- na e usam-na cada vez com maior rigor. Quem melhor do que o nosso amigo e compatriota Raúl Calane da Silva para falar disso? Mas que diga o Mia Couto como também se está a reconstruir essa mesma Língua, para que ela permita a comunicação entre aqueles que são daqui e os que se estão a cruzar connosco neste espaço!

Detectamos também em Moçambique – não sabemos se é apenas percepção nossa – que há um outro Português a que também não se pode chamar Moçambiquês nem nada que se pareça. É o Português que escrevem agora, nas redes sociais, os que sabem que, para poderem ser entendidos para além das fronteiras geográficas das suas línguas maternas, têm de escrever algo parecido com os códigos fonéticos que aprenderam e que é, sem ser por decreto, o mais parecido com a Língua Portuguesa mais pura e bem conservada que pode haver, e nem mesmo os Portugueses a falam e escrevem como há 800 anos.

De uma maneira ou de outra, ao fim e ao cabo, de infinitas maneiras, o importante é irmos todos os que pudermos entendendo-nos na língua que já foi de Camões e já tantas metamorfoses sofreu.

Perguntar às novas gerações de cidadãos portugueses por que razão ainda há tantos defensores do perfeccionismo, que, em vez da comunicação, elegem o rigor sintáctico, morfológico e ortográfico, vai sendo também para eles cada vez menos importante. Porque eles também já vêem mais longe do que atingem  os olhos de quem se deixa a pensar sentado na Torre de Belém, em Lisboa.

Ao quererem impor-nos um novo acordo ortográfico, quando milhões de nós ainda só estão à procura de uma forma de comunicação, porque ainda nem na língua materna sabemos escrever, o que se poderá pensar dos interesses que estão por detrás disso?

Que viva então a Língua Portuguesa como cada um a quer falar para nos entendermos, embora se possa e deva cultivar que ela se possa falar e escrever cada vez melhor todos os dias por cada vez mais cidadãos. Mas que deixe de ser apenas um exercício Norte-Sul.

Nós todos merecemos ser reconhecidos como contribuintes.

O nosso “maningue” tem de voltar a constar nos dicionários de Língua Portuguesa.

Incluir termos como o angolano “kota” nos dicionários tem de deixar de ser apenas um exercício de cooperação, para que de facto nós todos possamos sentir a mesma Língua sem estarmos confinados aos limites das ex-colónias.

Portugal já não é o dono exclusivo desta Língua. Nós também já ganhámos lugar nesta caminhada.

Texto originalmente publicado no jornal Canal de Moçambique (Moçambique) a 2 Julho 2014

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