Relatório final da PJ descarta crime no Meco mas MP ainda não arquivou o caso

A tese de acidente é a única que sobra das conclusões do extenso relatório. PJ não encontrou indícios de crime. Procurador irá decidir na próxima semana se arquiva o processo. Famílias vão recorrer ao tribunal.

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Miguel Manso

As mortes dos seis jovens estudantes no Meco deverão ficar registadas para o futuro como uma tragédia que resultou de um acidente. Em quase oito meses de investigação, a Polícia Judiciária (PJ) não encontrou o mínimo indício de que possa ter ali ocorrido um crime. No longo relatório final enviado recentemente ao Ministério Público (MP) de Almada, a PJ descarta qualquer hipótese de que seja possível responsabilizar criminalmente alguém pelo sucedido.

O procurador, porém, e ao contrário do que foi até agora noticiado, ainda não arquivou o processo. A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou ao PÚBLICO que “o despacho final só será proferido na próxima semana”. A decisão deverá seguir a tese de que foi um acidente, apontou fonte judicial, mas também é possível que o magistrado Moreira da Silva possa discordar do relatório da PJ e, considerando haver prova, deduza acusação.

Certo é que a lei impõe o encerramento do inquérito passados oito meses da sua abertura, prazo que está próximo. Não há arguidos nem foi declarada a especial complexidade do caso, o que poderia permitir a extensão dos prazos. Teria, contudo, de ser necessário, o que não foi considerado.

“Estou em choque”
O resultado da investigação não termina o pranto das famílias das vítimas, que desejam ver responsáveis em tribunal. O seu advogado, Vítor Parente, garante que vai requerer a abertura da instrução do processo para que um juiz avalie a decisão do MP se se confirmar o arquivamento. Nesse pedido, terá de contestar alguns pontos do que foi apurado, apresentar novas provas e, eventualmente, testemunhas.

“Uns dizem que foi arquivado, enquanto depois outros dizem que afinal não foi. Pelo meio, a angústia das famílias cresce. Este é um daqueles processos que não deveria ainda estar em segredo de justiça. Nada o justifica. O que há aqui para proteger? Não existem arguidos”, critica Vítor Parente.

Fernanda Cristóvão, mãe de uma das jovens que morreram naquela noite, diz-se “em choque” e “completamente desapontada”. “Estou em choque. Nem acredito que a nossa justiça funciona assim — andaram a brincar connosco este tempo todo. Estou completamente desapontada”, afirmou ao PÚBLICO. Esta mãe garantiu também que os pais não baixarão os braços. “Uma mãe nunca desiste de um filho. Pretendo fazer tudo o que seja possível, vou até ao fim”, disse.

Os inspectores da PJ de Setúbal efectuaram perícias ao diário de uma das jovens e aos telemóveis das vítimas que continham mensagens e registos de chamadas. Foi também feita a reconstituição do cenário da tragédia nas imediações da casa que as vítimas alugaram em Aiana de Cima, próximo da aldeia do Meco, em Sesimbra. Os testemunhos de moradores que disseram ter visto os jovens rastejar com pedras nos tornozelos ou que estariam com pedras amarradas não corresponderam à prova feita.

Praxe por provar
O caso rapidamente se tornou polémico e lançou de novo um debate na sociedade sobre a praxe nas faculdades, marcando a imprensa durante meses. O MP chegou até a ouvir a jornalista da TVI Ana Leal, que fizera uma reconstituição da tragédia numa reportagem. Da inquirição não terão, contudo, resultado provas que indiciem crime. O MP inquiriu ainda cerca de 20 das 50 testemunhas indicadas pelas famílias que, cederam informações recebidas em centenas de e-mails nos quais outros estudantes revelavam pormenores de como os rituais de praxe ocorreram naquele mesmo areal em anos anteriores.

A explicação de que foi um acidente não era o pretendido pela investigação, cujo objectivo era apurar apenas se houve ou não crime. Mas não resta outra hipótese. Na madrugada de 15 de Dezembro, uma onda com cerca de três metros levou os estudantes enquanto estes conviviam no areal. Nem tão pouco foi possível provar de que nos minutos da tragédia estavam num ritual de praxe, indicou fonte policial.

Se tivesse sido, era ainda necessário provar que as mortes tinham resultado de uma ordem, havendo ai probabilidades de responsabilizar o mandante se este o tivesse feito com consciência e intenção, sublinhou fonte policial. Os jovens estavam ali no âmbito de um fim-de-semana organizado para preparar as actividades da comissão oficial de praxe (Copa) da Universidade Lusófona.

As críticas das famílias concentram-se no único sobrevivente, o Dux João Miguel Gouveia. O jovem chegou a ser ouvido pelo MP como testemunha. Os pais das vítimas esperavam que o Dux lhes tivesse dado explicações sobre o que aconteceu naquela madrugada, mas até agora essa conversa nunca existiu.

De uma ou de outra forma, a estratégia judicial das famílias tem um único objectivo, aponta Vítor Parente. “João Miguel Gouveia e a Universidade Lusófona vão sentar-se no banco dos réus”, garantiu. com Maria João Lopes

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