Redescobrir a Ásia

Uma exposição excepcional que documenta o trânsito de Portugal pelo mundo

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Pena que as fotografias da Indonésia incluídas nesta colecção sejam anónimas, pois daí provêm alguns dos mais poderosos retratos da exposição, como este Príncipe de Java em traje de gala

Há várias décadas que não tinha lugar em Portugal uma exposição de fotografias do século XIX referentes à Ásia com a dimensão ou a categoria desta que podemos ver no Museu Diocesano de Lamego. São muito raras exposições assim, mesmo no panorama internacional. Trata-se, portanto, de um acontecimento da maior relevância tanto artística como documental e histórica.

O curador da exposição é José Pessoa, responsável pela secção de inventário do Museu de Lamego. As fotografias, 61 ao todo, pertencem à família Mascarenhas Gaivão, que coleccionou as imagens, datadas de entre 1880 e 1895, como se estas correspondessem a uma viagem de portugueses entre a Europa e Timor, passando por territórios da coroa de Portugal. A viagem tem início no Egipto, chega à Índia (Bombaim, Damão, Nagar-Avely e Goa), corre depois por Ceilão e Java, e aporta finalmente a Timor.

De entre as imagens, muitas têm autor identificado: Hyppolite Arnoux, um francês, e António (ou Antoine) Beato, um italiano, fizeram as fotografias do Egipto, sítio onde residiam, para servir sobretudo a clientela europeia que ali buscava o “exótico”. Na Índia, aparece-nos um Adolpho Moniz, de Damão, provavelmente damanense se o relacionarmos com o historiador local do mesmo apelido, e a firma Sousa & Paul, de Goa, que, ao longo de décadas, foi responsável por centenas de imagens daquele território. Em Timor, identifica-se o nome de Sá Vianna, que não sabemos quem tenha sido. As fotografias de Ceilão e da Indonésia são anónimas — e é pena porque são das mais qualificadas da colecção, em particular alguns poderosos retratos cuja humanidade orgulhosa contrasta com a solenidade de, por exemplo, o retrato do Rajá de Sunda e familiares, uma dinastia do Sul da Índia que residia e continua a residir em Goa (a imagem pode ser de Sousa&Paul, mas não é certo).

Escreve José Pessoa: “Este núcleo de provas positivas, feitas a partir de negativos de vidro pelo processo de colódio húmido e impressas em albuminas, chegou até nós num maço, sem qualquer embalagem especial, sem qualquer informação adicional a não ser, felizmente, as legendas originais e as assinaturas ou carimbos das casas fotográficas que as produziram.” Na exposição vê-se também a caixa de madeira dentro da qual José Pessoa encontrou a colecção.

Já em 2008 José Pessoa tomara conta da selecção de imagens e do guião científico de outra grande exposição deste género, realizada no Museu Nacional de Arqueologia em Lisboa: Impressões do Oriente: de Eça de Queiroz a Leite de Vasconcelos. Este “Oriente” era apenas o Médio Oriente, mas a qualidade das imagens expostas e a pluralidade nacional dos seus autores colocam essa exposição na genealogia directa desta que agora podemos ver.

Em Lamego, o projecto, iniciado em 2013, de fazer o levantamento e a exposição do património fotográfico das famílias durienses conduziu a duas exposições, uma de retratos, outra sobre a construção do caminho de ferro da linha do Douro. Viagem ao Oriente no Século XIX é a terceira mostra desta sequência. Não será certamente a última num museu que começa a afirmar-se como um pólo muito importante da história da fotografia em Portugal.

Algumas das imagens são belíssimas e a montagem expositiva caracteriza-se pelo generoso espaço que lhes é oferecido, e a nós que as contemplamos. Além disso, a exposição é indispensável para aqueles que se interessam pelas imagens fotográficas antigas da Ásia e para todos os que querem saber mais de história. Só a título de exemplo, veja-se a imagem feita por Sousa&Paul das ruínas do seminário jesuíta da ilha do Chorão, em Goa, um dos maiores complexos edificados em territórios sob domínio político português, de que só se conhecia um desenho e uma gravura de Lopes Mendes (1886). Pela fotografia agora exposta, ficamos a saber mais sobre o seminário e torna-se ainda mais problemática a história da dramática decisão que levou ao seu desmantelamento até à última pedra, um processo cujo melancólico início a imagem regista.

Por fim: o único defeito da exposição resulta de o responsável ter decidido transcrever para as tabelas o texto original de identificação das fotografias, uma decisão correcta se, na mesma ou em outra tabela, ou ainda num folheto, tivessem sido rectificados os erros cometidos pelos proprietários. Esperemos pela edição “em linha” do catálogo (13 de Setembro) para o problema ser resolvido definitivamente... e para ficarmos com uma memória mais perene desta exposição excepcional.

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