Câmara de Lisboa quer fechar quartel de bombeiros com dez anos para o Hospital da Luz ser ampliado

Autarquia alterou o plano de pormenor prevendo expressamente o alargamento do hospital do Grupo Espírito Santo e agora vai vender o quartel em hasta pública. Manuel Salgado, que foi o projectista daquela unidade hospitalar, diz que é para garantir “transparência e equidade”.

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Quartel de Bombeiro que vai ser demolido tem dez anos e é o mais moderno de Lisboa Miguel Manso

A Câmara de Lisboa vai fechar o quartel de bombeiros mais moderno da cidade para poder vender o terreno à Espírito Santo Saúde — a empresa do Grupo Espírito Santo que detém o Hospital da Luz, contíguo ao quartel em que também funciona o museu do Regimento de Sapadores Bombeiros (RSB) e a Sala de Operações Conjunta do município (SALOC), uma espécie de central de comando da protecção civil da capital.

O terreno deverá ser alienado ainda este ano em hasta pública, o que possibilitará o aparecimento de outros interessados no negócio.No entanto, a revisão do plano de pormenor da zona, que a câmara iniciou há quatro anos, contemplou desde sempre o alargamento daquele hospital privado para o lote em que estão os bombeiros.

As primeiras referências à hipótese de encerrar o quartel, inaugurado em 2004 entre o Centro Comercial Colombo e o Hospital da Luz — projectado pelo arquitecto Manuel Salgado, actual responsável pela área do Urbanismo na Câmara de Lisboa —, surgiram em 2010. Nessa altura, confirmou agora ao PÚBLICO o presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais, Fernando Curto, já se dizia que o Hospital da Luz queria expandir-se e que isso obrigaria a deitar abaixo o quartel.

Ainda em 2010, ano em que foi inaugurada a SALOC, a câmara decidiu alterar o Plano de Pormenor do Eixo Urbano Luz-Benfica. Desde então, o processo de planeamento seguiu o seu percurso normal até que a revisão do plano foi aprovada pelo executivo municipal, em Abril deste ano, com as abstenções do PSD, do CDS e do PCP. Dois anos antes, porém, já a câmara tinha pedido a uma avaliação do lote municipal onde estão os bombeiros. A encomenda foi feita no pressuposto de que as alterações ao plano, então longe de estarem concluídas, permitiriam que ali fossem construídos 29.164 m2, sem especificação de uso.

Já este ano, em Fevereiro, quando a câmara ainda não tinha discutido a revisão do plano, a Espírito Santo Saúde anunciou que ia aumentar em 40% a área construída do Hospital da Luz, com um investimento de 60 a 70 milhões de euros a realizar até 2018 — sendo certo que o hospital só pode crescer para cima, em número de pisos, e para o lado, para o lote dos bombeiros.

Em Novembro do ano passado, todavia, o relatório dos trabalhos de revisão do plano já afi rmava (pág. 103), sob o título “Extensão do Hospital da Luz (lote 40)”, que “em área reservada para equipamento, embora não constante da programação de equipamentos em Plano Director Municipal, passa a estar prevista a construção de uma extensão do Hospital da Luz, com a demolição das actuais instalações do Regimento de Sapadores Bombeiros”. Mais se dizia que a superfície de pavimento máxima a construir será de 29.164 m2, num edifício entre seis e dez pisos. Além disso, o mesmo documento referia que o actual edifício do hospital poderá ser ampliado com mais um piso, até um máximo de cinco mil m2.

Entretanto, a versão do plano aprovada pela câmara em Abril mantém o essencial destas orientações, formulando-as apenas em termos mais cuidados. Onde se dizia que as instalações do RSB serão demolidas, passou a constar que elas serão objecto de “uma eventual transferência para o lote 30”. E onde se afi rmava que passa a estar prevista uma extensão do Hospital da Luz, lê-se agora que se trata de “uma extensão do equipamento existente”. Tudo isto, apesar de se manter o título: “Extensão do Hospital da Luz (lote 40)”.

Uma “pretensão” do hospital
Questionado pelo vereador João Gonçalves Pereira (CDS) acerca da expansão do Hospital da Luz para o lote 40, Salgado resumiu o caso, na reunião de Abril, a uma “pretensão” do hospital. “Existe essa pretensão, e essa pretensão é pública por parte dos responsáveis do Hospital da Luz”, lê-se na acta da reunião. Todavia, Salgado acrescentou: “uma eventual venda a realizar será sempre realizada por hasta pública, com a faculdade de os interessados poderem vir a concorrer. É o melhor método de valorização e de salvaguarda do património municipal.”

No princípio deste mês, a câmara aprovou por maioria a realização de várias hastas públicas para alienação de património municipal, referindo-se uma delas ao lote do RSB em Carnide. Na proposta subscrita por Manuel Salgado e pelo vice-presidente da câmara, Fernando Medina, não é feita qualquer referência ao Hospital da Luz. Diz-se apenas que o lote “reúne as condições para ser colocado no mercado imobiliário”.

O texto acrescenta que a revisão do plano de pormenor aguarda aprovação pela assembleia municipal e que, ao permitir que no lote dos bombeiros seja construído um edifício para equipamentos, mas também para comércio, habitação e serviços, se garantiu “a valorização do activo em causa e uma maior transparência e equidade na sua alienação”.

Em resposta ao PÚBLICO, Fernando Medina disse, na terça-feira, que a câmara espera conseguir algum encaixe com a venda ainda este ano e informou que “estão em curso os trabalhos com o comando do RSB tendo em vista assegurar a recolocação das valências actualmente aí existentes (museu, SALOC e quartel)”.

O caderno de encargos e o programa da hasta pública especificam que o valor-base pelo qual o terreno será posto à venda é de 15,8 milhões de euros e que poderão lá ser construídos os tais 29.164 m2 de superfície de pavimento para qualquer uso.

A câmara compromete-se a entregar o terreno com o quartel e o museu dos bombeiros “livres de pessoas e bens” na data da assinatura do contrato, podendo o comprador demoli-los a expensas suas. Caso o pagamento fique completo no acto da venda, o adquirente terá direito a um desconto de 10% (o que equivale pelo menos a 1584 mil euros). Se se concretizarem as previsões que a câmara inscreveu no seu orçamento, e que apontam para um encaixe de 14 milhões de euros com esta operação ainda este ano, os bombeiros terão de deixar o local dentro de cinco meses.

Quanto a alternativas, as alterações ao plano de pormenor que deverão ser votadas esta quinta-feira na assembleia municipal admitem a construção de um novo quartel nas proximidades, mas ainda não se conhecem os projectos, nem o destino do museu. O presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais diz que não tem qualquer informação.

Texto actualizado às 10h11.

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