Administração mandatada para dissolver Empordef terminou mandato em 2013

Ministro da Defesa anunciou dissolução da holding e pedido à chefia para apresentar plano de liquidação em 90 dias.

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Os Estaleiros de Viana são uma das empresas que deram prejuízo Paulo Ricca

Dois dias depois de o ministro ter anunciado o fim da Empordef, a assembleia-geral da holding adiava um importante ponto da sua ordem de trabalhos. Já não discutiria a escolha de uma nova administração para a Empordef, decisão que estava há sete meses para ser tomada, já que a administração presidida por Vicente Ferreira havia terminado o seu mandato.

Essa decisão assinalava de forma marcante a forma como o tema das indústrias de Defesa tem sido gerido a nível político. O ministro Aguiar-Branco anunciou a dissolução da empresa — que gere há 18 anos as participações sociais detidas pelo Estado em empresas ligadas às actividades de Defesa — mandatando a administração para, num prazo de 90 dias, avançar com um plano de liquidação. Tendo deixado no limbo, durante meio ano, a chefia da Empordef.

A actual administração tomou posse em Agosto de 2011. Como o seu mandato é de dois anos, a sua legitimidade cessou no final de 2013, tal como está explícito na página electrónica da Empordef.

Na prática, a actual administração está em gestão corrente. Mas a verdade é que esta situação não é uma novidade no sector empresarial do Estado. A revisão do estatuto do gestor público, as novas regras para concurso e nomeação têm levado a que muitas chefias se vejam na situação de liderar uma entidade muito para lá do termo do seu mandato.

Ao longo das últimas duas semanas, o PÚBLICO tentou contactar a administração da holding da Defesa para perceber o seu futuro imediato. E foi perceptível o distanciamento dos actuais responsáveis. Não foi aceite o pedido para ouvir o presidente do conselho da administração, Vicente Ferreira.

 O Ministério da Defesa também foi contactdo para poder explicar porque a holding está há mais de meio ano sem administração nomeada e quando será a situação resolvida. Não respondeu até ao fecho desta edição.

“É mais um exemplo da forma irresponsável como o ministro tem gerido a sua área. Tinha o dever de nomear outra administração ou reconduzir a actual”, avalia o deputado do PCP, António Filipe, que tem assento na comissão parlamentar de Defesa.

No sector, a decisão não surpreendeu. Desde a chegada de Aguiar-Branco ao Ministério que se trabalha na alienação a privados das participações do Estado nas empresas. O objectivo estava assumido no próprio programa do Governo, em 2011.

A resolução do conselho de ministros que confirmou o anúncio — um dia depois da intervenção de Aguiar-Branco no Parlamento — justificava a decisão em dois argumentos. O primeiro era o “processo de reestruturação” levado a cabo. Mas que o próprio documento admitia não estar concluído no universo total das empresas. O segundo argumento utilizado foi a “débil” situação financeira da Empordef.

A resolução referia um resultado líquido consolidado para o ano de 2013 de mais de 57 milhões de euros negativos. Ao que o PÚBLICO apurou, metade das 12 empresas que compõem a holding deram prejuízo. Um problema aumentado com a discrepância entre o volume dos resultados positivos e os negativos. Os Estaleiros de Viana do Castelo apresentaram mais de 52 milhões de euros de prejuízo. No extremo oposto encontravam-se as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA) que ultrapassaram os 7 milhões de euros positivos.

Esta empresa é o verdadeiro caso de sucesso da holding. O Estado alienou a maioria da empresa à brasileira EMBRAER e à europeia EADS, mantendo cerca de um terço do capital da empresa. A empresa trabalha na manutenção, reparação e revisão geral de aeronaves e motores, bem com na modernização, modificação de aeronaves. E já entrou no mercado da fabricação e montagem de componentes e estruturas de aeronaves.

A EDISOFT, cuja maioria do capital passou a ser detida em 2013 pelo gigante francês Thales, apresentou um resultado de 40 mil euros. Apresentado como um exemplo de know-how e qualidade português, trabalha em sistemas de comando e controlo de armas e sensores de navios militares, de sistemas integradores de informação em plataformas navais, de sistemas de informação logística militar, de sistemas de segurança colectiva e de sistemas espaciais.

A Empordef-TI parece ser a seguinte que está na forja para a privatização. Também vista como uma empresa de qualidade, há dois anos que o Governo fala na sua alienação sem resultados práticos. Teve 17 mil euros de lucro. A meta é fechar o dossier até ao final do ano, seja através de um acordo com empresas nacionais ou com multinacionais. A empresa especializou-se no fornecimento de produtos e serviços nas áreas de Simulação, Treino e Sistemas de Teste.

Depois há o caso do Arsenal do Alfeite, que foi empresarializado em 2009. O essencial da sua área passou pela reparação e manutenção dos navios da Marinha Portuguesa. Nunca teve grande sucesso a tentativa de alargar essa actividade a congéneres da NATO ou países vizinhos de Portugal. Desde há dois anos que Marrocos traz um navio por ano para fazer reparações. Mesmo assim, apresentou um prejuízo de quase 5 milhões de euros.

O caso dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo é bem mais problemático. Aguiar-Branco decidiu a subconcessão da actividade a uma empresa privada portuguesa. Mas isso não resolveu o problema do passivo terá que assumir, situado entre os 200 e os 300 milhões de euros.

Tudo somado, a previsão no sector é que a dissolução ainda está longe de se concretizar. “Não acredito que se consiga resolver todas as situações de forma a extinguir rapidamente a Empordef”, avalia um gestor com experiência na área. Tem que se arranjar um destino para as participadas que não forem alienadas e tem de se encontrar uma solução para os passivos.

Daí que a percepção generalizada em relação ao anúncio seja a de uma jogada política. Quando Aguiar-Branco foi ao Parlamento no dia 25 de Junho, o tema era o difícil dossier da escassez de meios humanos na Força Aérea que estava dificultar a missão nos Açores. “Nada melhor do que ter outra coisa para anunciar”, resumiu um especialista ao PÚBLICO.

 

 

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