As Quintas do Museu Soares dos Reis são uma festa

Iniciativa de abrir gratuitamente as portas do Museu Nacional Soares dos Reis às quintas-feiras à noite é bem aproveitada por moradores e visitantes. E aplaudida também.

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Prolongamento do horário e entrada gratuita são factores importantes para atrair visitantes Paulo Ricca

Cláudia Bispo recorda-se de ter entrado no Museu Nacional Soares dos Reis quando tinha “11 ou 12 anos”. Recordações vagas. “Lembro-me de vir toda entusiasmada, porque ia estar em exposição alguma coisa relacionada com a espada do D. Afonso Henriques. Não me lembro bem o que era. Mas na altura eu gostava muito História”. Passados mais de 25 anos, e já com duas filhas pela mão, de oito e quatro, esta portuense entrou pela segunda vez no Palácio das Carrancas, um edifício que chegou a ser um Paço Real e que hoje em dia é espaço de “peregrinação” e de “descoberta”, sobretudo às quintas-feiras à noite.

Este é já o quarto ano consecutivo que o Museu Nacional Soares dos Reis (MNSR) abre as portas em horário pós laboral, e de forma gratuita, nas noites quinta-feira durante o verão. Mas Cláudia só ouviu falar delas, pela primeira vez, este ano. Lembrou-se que nunca mais tinha entrado no Museu, que o marido “que não é do Porto” nunca lá tinha entrado, e que se calhar as filhas também iam gostar de ver palácios e jóias, quadros e esculturas. E acertou. Fomos encontrar toda a família na sala das peças decorativas, estava Cláudia a contar à filha mais velha que a sua avó tinha comprado numa ourivesaria do Bolhão uma cruz parecida com aquela que estavam a apreciar na montra. “Mas agora percebo o que quer dizer aquele símbolo, e que é uma homenagem aos cruzados”, explica. 

Cláudia perdeu a visita guiada às 18h30 - “nem sabia que existia”, comenta - e que nesta semana foi dedicada à mais recente novidade do MNSR, o impressionante Báculo da Abadessa do Convento de S. Bento da Avé Maria do Porto. A peça, símbolo do poder emprestado pelo Museu Nacional de Arte Antiga, estará no MNSR até ao próximo dia 7 de Setembro. Uma oportunidade que foi aproveitada por cerca de meia centena de pessoas. Cláudia não sabia das visitas guiadas (há todas as semanas, às vezes a todo o Museu, outras a aspectos mais específicos e que são explicados de forma mais detalhada), mas acha que visitar o Museu fora das “enchentes resulta ainda melhor, apesar de perder algumas explicações. “As miúdas não param quietas. Tenho sempre de lhes estar a dizer para não mexer. Mas estão a gostar muito. E eu também. Era bom que mais museus tivessem esta iniciativa”, sentenciou.

Também um casal de alto-alentejanos - que pediram para não ser identificados, e estavam no Porto, de férias e com tempo, pela primeira vez - estavam com receio das visitas guiadas, de “participar numa espécie de correria, em que se anda muito e se percebe pouco”, como revelou recear o homem, médico. Mas ficou agradavelmente surpreendido. “Há espaço para ouvir, para compreender. E há tempo para apreciar, para contemplar”, dizia a esposa, viavelmente agradada, já no final da visita guiada, que levou os presentes ao antigo Muro da Cerca do Palácio das Carrancas, e onde estão a ser colocadas mais peças que pertenciam ao Convento de S. Bento da Avé Maria do Porto, destruído para dar lugar à Estação de S. Bento.

Joana Hollerbusch, 32 anos, é portuense de coração e matosinhense de morada, apesar do apelido germânico que carrega no nome. Decidiu, este ano, em conjunto com o marido e mais um casal amigo, “ser turista na cidade onde vivem”. “Nunca tinha subido à torre dos Clérigos, o meu marido nunca tinha entrado no Palácio da Bolsa. Este ano, e este Verão, decidimos que vamos resolver alguns desses problemas, e nem sequer estamos de férias. Hoje foi noite de vir ao Museu. Poder fazê-lo ao fim de um dia de trabalho, depois de jantar, é uma iniciativa excelente”, argumenta.

O que será mais importante? O facto de prolongar o horário (normalmente o museu encerra às 18h00, mas às quintas feiras está aberto até às 23h00) ou de ter entrada gratuita (o preço normal do bilhete é de cinco euros)? Maria João Vasconcelos, directora do MNSR diz que ambos os factores são importantes. O efeito surpresa também. “Percebemos  que muitas pessoas entram pelo Museu dentro surpreendidas por ele ter as portas abertas. No início, ficam espantadas. Depois, percebem que não vão pagar entrada, e não resistem a entrar, a ir espreitar os primeiros andares, a tentar perceber o que podem encontrar nos nossos espaços”, explica a directora.

Na última quinta a feira foi possível encontrar um desses casos. Pessoas que passavam na Rua D. Manuel II, viram portas abertas e leram a indicação de que o Clube da Animação do Porto estava nessa noite a fazer uma projecção das melhores curtas de animação que passaram na última edição do Festival de Curtas Metragens do Porto. Em Agosto vai haver mais cinema, em Setembro haverá música. “Estas iniciativas, de fazer uma programação  complementar, que, aparentemente, não tem nada a ver com a oferta do Museu acaba por trazer aqui novos públicos, gente que não viria ao Museu de outra forma. E esse é um objectivo que deve ser assumido por qualquer Museu”, afirma a directora.

Há, porém, um dado a somar-se a estes e que, para Margarida Correia, curadora do MNSR, onde trabalha há já 25 anos, é o mais importante para quem trabalha no Museu. Oferece a técnicos, investigadores, curadores, e até à directora do Museu a oportunidade de sair dos gabinetes, contactar com as pessoas, perceber como elas reagem a cada objecto, a cada exposição. Às quintas-feiras, o horário de funcionamento do Museu é contínuo, das 10 às 23h00, e todos os funcionários são chamados a colaborar. Espalham-se pelas exposições, respondem a perguntas, ouvem curiosidades, encaminham os visitantes. 

Isabel Rodrigues, técnica superior, anteriormente colocada no Museu de Etnografia do Porto, no Palácio São João Novo, diz que esta é uma das suas noites preferidas. “Tenho encontrado nestas noites muitos jovens, sempre muito interessados e atentos. Isso deixa-me muito feliz. As Quintas no Museu, às vezes, são uma festa”, termina. 

Soares dos Reis transformado em case-study
O relatório final vai ser apresentado já em Setembro, depois de anos de trabalho consecutivo de uma equipa de investigadores da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, coordenada por José Varejão e Helena Santos. Começaram por analisar o número de visitantes (durante toda uma década, de 2000 a 2010) para perceber, por exemplo, que uma exposição temporária aumenta entre 630 e 824 o número de visitantes por mês. Mas, rapidamente, o estudo foi-se alargando a outros sectores da actividade do Museu, para, no final, fazer recomendações sobre a melhor forma de adequar a estrutura  às novas realidades e exigências. Ninguém espera que os Museus gerem receita suficiente para pagar as despesas, mas todos gostariam que ele gerasse benefícios que compensem os seus custos de funcionamento.

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