O que estava a fazer um avião comercial numa zona de conflito?

Desastre do MH17 está a acender debate sobre segurança na aviação. Algumas companhias evitavam a região há algum tempo. Outras só agora estão a dar meia volta.

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Associação das companhias de aviação diz que devem ser os governos e as autoridades a restringir as zonas de risco REUTERS/Athit Perawongmetha

Uma das perguntas que se impõe perante o desastre do MH17 continua por responder: o que estava a fazer um avião comercial numa zona de conflito? Para uma parte da indústria, sobrevoar o Leste da Ucrânia era, até aqui, uma prática diária, até porque a região não estava oficialmente interdita. Para a outra parte, já há algum tempo que aquela área tinha sido riscada do mapa.

Hoje, porém, a primeira parte da indústria da aviação teve de se render às evidências, enquanto continua o jogo de atribuição de culpas que opõe o Governo de Kiev e os rebeldes separatistas pró-russos pelo abate do avião onde seguiam 298 pessoas e que voava a uma altitude de 10.000 metros na região de Donetsk.

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Voos de companhias de aviação de todo o mundo foram e continuarão a ser reprogramados para evitar o espaço aéreo do Leste da Ucrânia. Só após o desastre, ocorrido nesta quinta-feira, esta tal parte da indústria riscou a região do mapa, que era até aqui uma zona “normal” de sobrevoo de muitas ligações entre a Europa e a Ásia.

A Lufthansa anunciou nesta sexta-feira que iria desviar os quatro voos que atravessariam os céus do Leste da Ucrânia. “Estamos a acompanhar a situação para planear a operação dos próximos dias”, referiu um porta-voz da companhia alemã, citado pela CNN.

Já a Emirates anunciou no seu site que um voo que deveria ter aterrado em Kiev ainda na quinta-feira regressou ao aeroporto de origem, no Dubai, por “preocupações de segurança”. A companhia decidiu suspender todos os voos para a capital da Ucrânia “com efeitos imediatos”.

A Ukraine International acaba de emitir um comunicado em que informa que “decidiu desviar todos os seus voos daquela região para assegurar a segurança dos passageiros, tripulação e aeronave”, a partir das 18h locais de quinta-feira. Os aviões da companhia estão, desde então, a voar a 200 quilómetros daquela área.

Também a norte-americana Delta Airlines tomou a mesma medida. Por razões de segurança, a transportadora anunciou que “não está a sobrevoar o espaço aéreo da Ucrânia e está a acompanhar a situação relativa ao voo 17 da Malaysia Airlines. A portuguesa TAP não utiliza o espaço aéreo ucraniano.

Normal, para alguns
A “normalidade” com que, até quinta-feira, sobrevoavam aquela região tem sido justificada pelo facto de não ter sido interditada pelas autoridades internacionais. O único aviso de segurança emitido, no início de Abril, pelo Eurocontrol, Agência Europeia para a Segurança na Aviação e Organização da Aviação Civil Internacional circunscrevia-se à área de Simferopol, na sequência da anexação da península da Crimeia pela Rússia.

O MH17 caiu no Leste da Ucrânia. Além disso, e mesmo que o alerta cobrisse essa área, tratava-se apenas de uma recomendação às companhias de aviação, sem carácter obrigatório.

Foi por isso que, quando questionado sobre os riscos de sobrevoar uma zona de conflito, o ministro dos Transportes da Malásia respondeu, nesta sexta-feira, que “é uma rota sobrevoada há muitos anos”, acrescentando que “é segura e é por essa razão que foi usada”.

Mas, para outra parte da indústria, os riscos falaram mais alto. Já há algum tempos que companhias como a Qantas, Cathay Pacific, Air Berlin, China Airlines e Asiana tinham decidido suspender os sobrevoos por todo o espaço aéreo ucraniano, noticiou a Reuters.

Um porta-voz desta última transportadora sul-coreana explicou à agência que, “apesar de o desvio aumentar o tempo e os custos do voo”, a decisão foi tomada “por motivos de segurança”. O mesmo responsável acrescentou que os aviões da companhia têm de percorrer mais 150 quilómetros para evitar sobrevoar o país desde 3 de Março.

Várias questões ficam por responder: a decisão de sobrevoar uma zona de conflito deve ser das companhias de aviação? As autoridades deveriam ter ido mais longe, na região sobre a qual emitiram o alerta e na obrigatoriedade associada ao aviso? E qual o papel dos governos nisto?

O jogo de culpas – agora da segurança
Perante o cerco à segurança da aviação que se montou com o desastre do MH17, a Associação Internacional do Transporte Aéreo emitiu nesta sexta-feira um comunicado em que assegura que “é a principal prioridade”. “Nenhuma companhia vai colocar em risco a segurança dos seus passageiros, tripulantes e aviões por questões de poupança de combustível”, lê-se na mensagem deixada pelo presidente, Tony Tyler.

Para o responsável, têm de ser “os governos e as autoridades de controlo aéreo a prestar aconselhamento sobre o espaço aéreo disponível para operar” e as transportadoras “fazem o planeamento de acordo com essas limitações”. “É muito semelhante à condução de um carro: se a estrada está livre, assume-se que é seguro. Se está fechada, encontra-se uma rota alternativa”, exemplificou.

No entanto, há quem aponte o dedo às próprias companhias. Geoff Dell, perito em segurança na aviação da Universidade de Queensland, disse à Sky News estar “estupefacto”. “Não deveriam colocar em risco, e sem necessidade, os seus activos mais preciosos: os passageiros, os funcionários e os aviões”, declarou.

Bruxelas anunciou, ao final da manhã desta sexta-feira, que activou a Célula de Coordenação de Crise da Aviação Europeia, na sequência do desastre. "Activei a célula de crise de modo a haver uma coordenação apropriada dos efeitos no espaço aéreo para garantir a segurança dos voos", anunciou Siim Kallas, comissário europeu para os Transportes e também vice-presidente da Comissão Europeia.

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