Quem o viu e quem o vê: O Parque Tejo já não admira ninguém

Os 80 hectares do Parque Tejo, que eram um pedaço de paraíso, foram deixados completamente ao abandono pela Câmara de Lisboa há mais de um mês.

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As ervas daninhas crescem no meio dos caminhos e nas casas de banho até já faltam lavatórios e torneiras Enric Vives-Rubio
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Quando a esmola é grande o pobre desconfia! O adágio deve ter ocorrido a muitos dos que nos últimos 15 anos se surpreenderam com aquele pedaço de paraíso à beira-Tejo.

A qualidade superior do desenho e, sobretudo, da manutenção da extensa faixa verde que ia da Torre Vasco da Gama até à foz do rio Trancão, no Parque das Nações, só podia suscitar espanto e desconfiança.

O simples facto de a faixa verde já não surpreender ninguém, porque já não é verde e porque se tornou um arremedo do que já foi, parece dar razão aos desconfiados: “Isto era bom de mais para ser verdade”, diz um frequentador do Parque Tejo, já conformado com aquilo que agora lá vê.

Os 80 hectares que para ali atraíam milhares de visitantes passaram de um extremo ao outro. Nos 15 anos em que estiveram sob a alçada da sociedade Parque Expo só recebiam elogios; desde há ano e meio, altura em que passaram a depender da Câmara de Lisboa, tornaram-se alvo de uma zanga crescente.

Nos últimos meses, ao mesmo tempo que se acentuava a degradação do espaço, as queixas multiplicavam-se. Não apenas nos desabafos dos utentes, mas também através de blogues e páginas no Facebook, ou da Associação de Moradores e Comerciantes do Parque das Nações e da própria Junta de Freguesia do Parque das Nações.

E não era caso para menos. Basta comparar as fotos do antigo Parque Tejo com a desolação que hoje lá impera. Onde havia relva viçosa e bem aparada, há agora desertos e arbustos secos, ou então matagais de relva à mistura com ervas daninhas que não são cortadas há meses. Em alguns deste locais, o excesso de água proveniente de um sistema de rega descontrolado e semi-destruído, com mangueiras e aspersores arrancados, origina poças e lamaçais. 

Mas o estado de abandono dos campos onde ainda há avisos da Parque Expo a proibir “botas de solas de pitons” para não danificar a relva é apenas um sinal. 

O retrato completa-se passo a passo, com muitas dezenas de bancos de madeira sem qualquer vestígio de tratamento; bebedouros vandalizados ou sem água; receptáculos de aço inoxidável para dejectos de cães desmantelados; rebentos de plátanos com meio metro de altura a pintalgar de verde o amarelo dos antigos relvados; colunas de iluminação partidas; passadiços de madeira transformados em harmónios feitos de tábuas levantadas e despedaçadas; graffiti onde há sítio para os pôr; ou casas de banho com as portas interiores rebentadas, torneiras avariadas e até buracos redondos no lugar dos lavatórios. 

Para não falar nas muitas árvores exóticas que estão a morrer à míngua de água no cenário de devastação em que se transformou o topo Norte do parque, junto à foz do Trancão. 

Nem no parque infantil repleto de crianças frente ao qual a Câmara de Lisboa teve o cuidado de colocar um painel informativo a dizer que ele está temporariamente encerrado e que “a CML não se responsabiliza” pela sua utilização.

“Isto está assim há meses. Depois choveu e melhorou. Agora está como está. Nas últimas semanas vi pontualmente um ou dois homens a arranjar qualquer coisa”, conta Bruno Figueiredo, residente nas proximidades do parque e responsável pela página do Facebook intitulada Pela Qualidade Urbana no Parque das Nações. O problema — que diz ser ali mais graves, mas que é extensível a grande parte do Parque das Nações — é que quando a Parque Expo geria o espaço “viam-se sempre muitos trabalhadores a tratar dos jardins e nos últimos meses desapareceram”.

Em Março do ano passado — três meses depois de a câmara ter tomado conta do espaço e apesar de ainda haver no terreno empresas de jardinagem ao abrigo de contratos feitos com a Parque Expo  — já a associação de moradores e comerciantes se queixava do facto de o sistema de rega do Parque Tejo não estar operacional.

“Transmitimos a nossa preocupação à câmara e temos continuado a pressioná-la, assim como à junta de freguesia, para que o parque volte a ter o nível de manutenção que fez dele um espaço de lazer e de vivência procurado por tanta gente”, conta Anibal de Oliveira, da direcção da associação.

“O que lhe digo é que aquilo não está pior porque a junta de freguesia, com os escassos recursos de que dispõe e apesar de não ter nenhuma responsabilidade no caso, tem feito algumas reparações no sistema de rega”, comenta o presidente da autarquia, José Moreno, eleito pelo movimento independente Parque das Nações Por Nós.

O autarca explica que câmara ficou responsável pelo espaço no final de 2012, mas que até ao fim de Janeiro deste ano ainda ali trabalhou uma empresa que tinha sido contratada pela Parque Expo. O trabalho só foi retomado em meados de Março por uma firma ao serviço do município, mas com muito menos pessoal, e o contrato terminou a 15 de Junho. 

“Desde então não houve qualquer espécie de manutenção feita por pessoal da câmara, ou por prestadores de serviços. Ontem o vereador Sá Fernandes disse na assembleia municipal que brevemente ia entrar outra empresa, mas eu tenho sérias dúvidas.” José Moreno acrescenta que a junta está na disposição de interditar o acesso aos passadiços de madeira que oferecem riscos para segurança das pessoas e diz que o contrato que contemplava a sua manutenção já terminou no final do ano passado.

Contactado pelo PÚBLICO o gabinete do vereador da Estutura Verde, José Sá Fernandes, informou, através de um assessor, que “vai ser adjudicado em breve” um contrato que abrange os espaços verdes do Parque Tejo e “algum do seu mobiliário urbano”. Desde 15 de Junho, garantiu João Camolas, “os serviços da câmara têm estado a assegurar a manutenção com os recursos possíveis”.

Quantas pessoas é que lá têm trabalham desde então? “Não posso precisar”, respondeu.

Ontem durante toda a manhã os 80 hectares do Parque Tejo não foram pisados por um único jardineiro da câmara. Além das duas mulheres que iam limpando as casas de banho, apenas um solitário agente da PSP fazia companhia às centenas de pessoas que ali gozavam o Verão.

Problemas estendem-se ao Parque das Nações
O estado dos restantes espaços verdes e da generalidade do espaço público do Parque das Nações também já é apenas uma sombra dos tempos áureos que se seguiram à Expo 98 e mesmo do período em que a Parque Expo foi responsável por eles, até há ano e meio.

A descentralização de competências da Câmara de Lisboa para as freguesias fez com que cerca de 25% do total desses  espaços passasse recentemente para a nova Junta de Freguesia do Parque das Nações, mas o muncípio continua a deter a tutela da área restante, com destaque para o Parque Tejo.

E quem percorre as alamedas e jardins da zona urbana do Parque das Nações percebe que esse vasto território não escapou aos percalços que o têm marcado, sobretudo desde o final de 2012. Espaços verdes degradados e sem rega suficiente nestes dias de calor, mobiliário urbano em mau estado de conservação, buracos no chão e ruas sem iluminação nocturna são algumas provas do desmazelo que ali reina.

José Moreno, o presidente da junta, não nega a existência de problemas, mas garante que desde o dia 28 do mês passado já tem uma empresa de manutenção de espaços verdes a fazer o essencia. O contrato termina a 31 de Agosto e está a ser preparado o lançamento de um concurso, de âmbito mais alargado, para adjudicar o serviço a partir de Setembro e até ao fim do ano. 

Entretanto, acrecenta, está em preparação um concurso público internacional para assegurar a manutenção completa de todas as áreas que dependem da junta durante um período de três anos, a contar de um de Janeiro de 2015.

Quanto à vasta área vedada por redes metálicas em que funcionou a antiga lixeira de Beirolas, no morro situado entre a estação de tratamento de esgotos e a faixa do Parque Tejo que acompanha o Trancão, José Moreno não tem qualquer informação sobre o seu fututro.

O terreno, coberto de erva seca, pertence ainda à Parque Expo, empresa de capitais públicos em fase de liquidação, e chegou-se a falar na instalação no local de um campo de treino de golfe. A crise e os atrasos que ocorreram no processo levaram, contudo, os investidores desinteressaram-se do projecto, diz o autarca.

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