"A conservação do arquivo de Álvaro Siza não é uma questão de veleidade pessoal, é uma questão de interesse nacional"

Três perguntas a Pedro Gadanho, o curador para a arquitectura contemporânea do MoMA.

Arquitecto Pedro Gadanho
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Arquitecto Pedro Gadanho Paulo Pimenta
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O Museu de Arte Contemporânea de Serralves, emblema da arquitectura de Álvaro Siza Nelson Garrido

O curador para a arquitectura contemporânea do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque comenta a eventual saída do acervo de Álvaro Siza.

Como vê a possibilidade de o arquivo de Álvaro Siza sair do país?

Após o escândalo e o despropósito do imbróglio jurídico que rodeou a saída de obras menores de um artista que nem sequer é português Juan Miró –, considero espantosa a leveza com que se assume a potencial saída do país do arquivo do maior e mais internacional arquitecto português. Sem Siza, a arquitectura portuguesa do final do século XX não existiria para o mundo como, de resto, se comprova pelo facto de este autor continuar a ser mais reconhecido fora que dentro de portas. O problema da conservação do seu arquivo não é uma questão de veleidade pessoal, é uma questão de interesse nacional. Assim, a eventualidade que agora se coloca deve ser encarada como uma oportunidade: uma oportunidade para pensar que destino dar a toda uma cultura material que não apenas o arquivo de Álvaro Siza –, que define um dos meios artísticos que, como o cinema e a música, é dos que mais tem oferecido relevância ao país no contexto cultural internacional. 

Em Portugal, que instituição deveria tentar adquirir e tratar o arquivo?

Com tanto investimento em museus de arte em Portugal – e uma relevância tão reduzida da arte portuguesa num panorama mais abrangente –, é inconcebível que uma expressão maior como é a da arquitectura portuguesa não mereça no nosso país qualquer tipo de enquadramento institucional adequado. A questão do arquivo de Siza – como de outros que se seguirão ou o precedem – é uma oportunidade para despoletar um processo e um debate maiores. Uma possibilidade que se afigura é a criação de raiz de um museu de arquitectura, preferencialmente num edifício de Siza, como o abandonado Pavilhão de Portugal, em Lisboa, ou a muito improvável Casa da Arquitectura, em Matosinhos. A outra possibilidade, mais plausível e viável, é a criação de um Departamento de Arquitectura num museu existente, situação na qual, mais uma vez, a escolha indicada e inteligente recairia sobre outro edifício de Siza – um edifício que, por acaso, coincide também com o perfil museístico ideal e a localização geográfica da escola arquitectónica a que Siza deu origem: o Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto.

O Centro Canadiano da Arquitectura é um bom sítio para  acolher o acervo?

Se o Estado português quer dar um tiro no pé, o CCA é uma instituição mais que adequada para recolher os destroços. Tem as condições e o savoir-faire para fazer uma excelente preservação do arquivo de Álvaro Siza para as gerações futuras. No entanto, seria mais avisado adoptar e negociar uma situação de co-aquisição entre o CCA e o sugerido museu ou departamento de arquitectura a criar em Portugal. Esta seria uma situação similar à que recentemente sucedeu com a aquisição do gigantesco arquivo de Frank Lloyd Wright, o qual, perante o valor astronómico da compra, foi partilhada entre o MoMA e a Avery Library, da Columbia University. Deste modo, documentos, maquetas e outros materiais foram distribuídos pelas duas instituições, consoante as suas respectivas competências de conservação. Aproveitar o conhecimento acumulado e os frutos de uma colaboração com uma instituição como o CCA – também para iniciar o museu ou departamento de arquitectura acima referidos – seriam a melhor forma de, mais uma vez, transformar este 'problema' numa oportunidade.

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