A Cúpula de Ferro mudou a guerra para os israelitas

Ashkelon fica a seis quilómetros de Gaza e é um alvo dos rockets do Hamas. O sistema de defesa antimíssil tornou a cidade apetecível – os preços são baixos, as vistas sobre o Mediterrâneo fabulosas e não custa nada sair da piscina por uns instantes para ir até ao abrigo.

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Pausa para a passagem do rocket do Hamas numa praia do Sul de Israel Reuters

O som das sirenes ecoou nesta cidade beijada pelo sol e, num instante, a mulher do biquíni cor-de-rosa saiu da piscina, protegendo os três filhos pequenos e levando-os para o abrigo mais próximo.

Lá em cima, o rasto de vapor do rocket disparado de Gaza, a seis quilómetros dali, tinge o céu azul claro. Depois, boom, o rocket é abatido.

Os miúdos voltam a saltar para dentro da piscina e a mãe volta ao seu banho de sol. Durante todo este processo, o nadador-salvador mal se mexeu.

É esta a realidade no Sul de Israel, onde os residentes vivem debaixo do terror dos rockets do Hamas e da protecção de um sistema antimíssil sofisticado que já provou ser altamente eficaz a interceptar o fogo inimigo.

Quando o Iron Dome – Cúpula de Ferro, o nome do sistema antimíssil – está activo, o que acontece 90% do tempo, os rockets explodem sobre as cabeças das pessoas, produzindo um som forte que os israelitas já se habituaram a distinguir do barulho de um impacte directo.

Na semana passada, o sistema permitiu a Israel anular mais de mil ataques com rockets sem uma única baixa – a primeira foi na segunda-feira à noite. Por causa dele, a vida no Sul de Israel prossegue com normalidade, apesar da imparável troca de disparos que já tirou 185 vidas na vizinha Gaza.

“Nem consigo pôr em palavras a maravilha que isto é”, diz  Sivan Hadad, de 32 anos, que viveu toda a vida em Ashkelon e que costumava ficar em casa quando os rockets começavam a voar. “Agora posso ir para a rua. Ainda me assusto, mas já não como antes”.

Para responsáveis da segurança israelita, o êxito do Iron Dome equivale ao muro que separa Israel da Cisjordânia, que dizem ter ajudado a travar a vaga de atentados suicidas do início do século XXI.

O sistema Iron Dome tornou os rockets tão inofensivos que o Hamas e os seus aliados começaram, nos últimos dias, a procurar formas mais criativas de atacar Israel. Na semana passada, um comando do Hamas tentou infiltrar-se em Israel por mar mas foi travado numa praia pelo fogo israelita. Na segunda-feira, o grupo islamista enviou um drone sobrevoar a cidade de Ashdod. Acredita-se que foi a primeira vez que o grupo usou um drone no espaço aéreo israelita – a milícia xiita libanesa Hezbolah tinha feito o mesmo no ano passado. O drone do Hamas foi derrubado por um míssil Patriot, fornecido pelos americanos.

O Iron Dome está a mudar os cálculos e as tácticas israelitas. Na ofensiva contra o Hamas em 2008 e 2009, antes do sistema ter sido instalado, Israel mandou tropas para o terreno, aumentando substancialmente o número de baixas de ambos os lados. O Iron Dome foi usado pela primeira vez noutra grande operação, em 2012, e Israel conseguiu manter os seus soldados fora da Faixa de Gaza. Agora, está a fazer o mesmo.

“Se não tivéssemos [o Iron Dome] e os rockets estivessem a cair em Israel, matando pessoas, o exército não tinha outra opção a não ser entrar em Gaza”, disse Amir Peretz, que foi ministro da Defesa entre 2006 e 2007 e que é considerado “o pai” do Iron Dome. “Isso significaria mais baixas civis de ambos os lados”.

Os críticos dizem que o Iron Dome teve um efeito perverso ao retirar dos ombros dos líderes a pressão para se empenharem nas negociações de paz com os palestinianos. O Iron Dome, diz Peretz, não passa de uma solução provisória. “A única coisa que nos pode trazer uma verdadeira tranquilidade é uma solução diplomática”.

Mas essa paz duradoura parece uma coisa remota. E, até lá, o Iron Dome muda a experiência de guerra para Israel. 
O sistema usa algoritmos complexos para encontrar a rota do rocket desde o momento em que é disparado em Gaza, calculando quase instantaneamente o lugar para onde o projéctil se dirige – se é uma zona povoada ou não. Caso seja povoada, uma das baterias móveis dispara, interceptando o rocket. Se o rocket se dirigir a uma zona não povoada ou ao mar – como acontece com a maioria dos que o Hamas dispara –, o Iron Dome deixa-o seguir o seu caminho.
O sistema foi desenvolvido com uma substancial ajuda americana e foi melhorado desde o conflito de 2012. É cada vez mais eficaz. Mas, às vezes, ainda falha. 

No domingo, um rapaz de 16 anos que ia de bicicleta nesta cidade de 135 mil habitantes ficou gravemente ferido ao ser atingido por estilhaços de um rocket. As equipas de emergência criticaram a atitude do rapaz, que não procurou abrigo quando as sirenes começaram a tocar. Também disseram que os habitantes estão a ficar demasiado complacentes com a ameaça, pois acreditam que o Iron Dome os protege de tudo.

Se alguns dos habitantes do Sul de Israel passaram a semana a entrar e a sair dos abrigos, outros não viram essa necessidade. “Quando se ouvem as sirenes fico em casa. Não sinto a necessidade de ir para um abrigo”, disse Adi Dahan, um agente imobiliário de 28 anos que vive numa elegante torre de apartamentos com uma vista maravilhosa para o Mediterrâneo.

Há pelo menos uma dúzia de torres deste género a nascerem nesta cidade próspera que atrai novos residentes a uma média de 500 por mês, apesar de ter estatuto oficial de alvo do Hamas. Só na semana passada foram disparados pelo menos 65 rockets contra Ashkelon, com 35 a serem interceptados pelo Iron Dome. Quatro caíram sobre o alvo.
Dahan diz que continua a receber chamadas de Israel e de outras partes do mundo de pessoas que querem mudar-se para Ashkelon por causa das vistas e dos preços baixos. “Quandos lhes mostro os apartamentos virados para Sul, eles dizem ‘Ah, é dali que vêem os rockets’. Então eu respondo-lhes: 'Sim, mas também é dali que vem o sol'".

Exclusivo PÚBLICO/"The Washington Post"

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