Proposta para incluir filhos no cálculo da taxa de IRS também se aplica na tributação separada

Para garantir a progressividade do IRS, a comissão de reforma recomenda limites para não favorecer casais com rendimentos mais altos e com mais filhos.

Foto
A comissão de reforma foi incumbida de estudar medidas fiscais que tenham em conta a natalidade Daniel Rocha

A proposta da comissão de reforma do IRS para que os filhos sejam considerados no rendimento colectável sujeito à taxa do imposto deverá ser aplicada também nos casos em que os casais optem por entregar a declaração de IRS em separado.

O grupo de trabalho nomeado pelo Ministério das Finanças para simplificar o IRS e ter em conta a “protecção das famílias” propõe – segundo a informação avançada nesta terça-feira pelo Jornal de Negócios e confirmada pelo PÚBLICO – que o rendimento colectável do casal passe a ser dividido de acordo com o número de membros do agregado familiar, sendo aos cônjuges e aos filhos atribuído um determinado “peso” no cálculo desse quociente.

O anteprojecto elaborado pela equipa coordenada pelo fiscalista Rui Duarte Morais deveria entrar em consulta pública nesta quarta-feira, mas o Ministério das Finanças só na sexta-feira deverá apresentar oficialmente as primeiras conclusões da comissão.

No regime actual (o chamado quociente conjugal), o rendimento total do casal é dividido por dois, aplicando-se a taxa do IRS ao montante que resulta dessa divisão. Já na proposta de quociente familiar, os dependentes contariam cada um 0,3 nesta equação, reduzindo-se assim a taxa de IRS que se aplica aos agregados familiares com filhos.

Enquanto no actual regime o rendimento colectável de um casal é dividido por dois, no novo sistema, esse montante seria dividido por 2,6 caso os cônjuges tivessem dois filhos; ou por 2,9 caso se tratasse de um casal com três dependentes.

Foto

Neste cenário – e uma vez que a comissão de reforma liderada por Rui Duarte Morais também aborda a questão da tributação separada –, como tornar compatível este sistema quando um casal entrega a declaração em separado? Segundo as informações recolhidas pelo PÚBLICO, um dos cenários em cima da mesa passa por quantificar o “peso” de cada um dos filhos de forma igual por cônjuge. É o que hoje acontece, por exemplo, na regra das deduções à colecta do IRS de um casal divorciado, em que as deduções são efectuadas em 50% por cada um dos pais.

Reduções e progressividade
A ideia de passar a considerar os filhos para calcular a taxa do imposto não é nova – o caso francês é há muito apontado como um exemplo de política fiscal familiar. E ter em conta a natalidade foi um dos eixos que o Ministério das Finanças incumbiu a comissão de reforma de estudar: quando Rui Duarte Morais tomou posse, em Março, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, deixava claro que a reforma deveria “proteger a família” e ter em atenção “a importância da natalidade, de forma a contribuir para a inversão do actual défice demográfico” de Portugal.

Em alguns casos, o modelo proposto permite uma redução do imposto superior a 30%, mas, como sublinhava ontem o Jornal de Negócios, o impacto dependerá de eventuais alterações que venham a ser introduzidas nas deduções à colecta.

Veja-se um exemplo a partir do modelo proposto (de 0,3 por cada filho). Actualmente, a um casal (com dois filhos) com um rendimento colectável de 25 mil euros por ano aplica-se uma taxa de IRS de 20,7% (os 25 mil euros foram divididos por dois e é ao resultado – 12.500 euros – que corresponde aquela taxa). Com o modelo proposto, os 25 mil euros são divididos por 2,6, resultando num valor de 9615 euros a que corresponde uma taxa de 14,1%. A redução é de 31,8%.

Na obra Sobre o IRS, reeditada este ano pela Almedina, Rui Duarte Morais refere que o quociente familiar é “altamente vantajoso para as famílias numerosas, especialmente as de elevados rendimentos” e sublinha que a aplicação deste regime é muitas vezes entendida “como um estímulo fiscal ao aumento da natalidade”.

Mas para garantir a progressividade do imposto (consagrada na Constituição), o grupo de trabalho recomenda que sejam fixados limites por dependente, de forma a não favorecer, na prática, as famílias com rendimentos mais altos e com mais filhos. Um dado que o PÚBLICO não conseguiu validar em tempo útil através de simulações.

Quanto à entrega das declarações de IRS em separado, se for de facto acolhida a proposta da comissão de reforma, a medida pode abranger 4,7 milhões de contribuintes, o número de pessoas casadas em Portugal, de acordo com os Censos de 2011. Esta possibilidade existe hoje para os casais a viver em união de facto, mas está vedada aos casados. Neste campo, aliás, Portugal é um dos poucos países da União Europeia que não contemplam esta possibilidade. A questão chegou a ser referida em 2009 pelo grupo de trabalho para o estudo da política fiscal, mas a medida não saiu do papel.

Sugerir correcção
Comentar