Uma comissão parlamentar para quê?

O que defendo é que se devem mudar as regras, dar mais poderes a estas comissões.

Regressou à agenda política, pela mão do líder do PS, António José Seguro, o tema da redução do número de deputados na Assembleia da República. O contexto foram as eleições primárias para a “batalha” interna que Seguro e António Costa disputam por estes dias pelo lugar de secretário-geral socialista.

Não tenho uma posição fechada sobre o número de deputados que a Assembleia da República deve comportar. Estudos comparativos indiciam que não somos os que têm mais deputados por rácio de população, nem os que temos menos. Assim, de um ponto de vista estatístico, estamos equilibrados.

Mas será mesmo assim? Faz-me sempre alguma confusão que temas que considero relevante debater sejam trazidos para a agenda mediática por meros calculismos politico-partidários. Não sei se será esse o caso agora. Contudo, o timing escolhido por Seguro, no meio de uma “guerra” interna, inibe logo qualquer debate sério e eficaz. Apesar disso, julgo pertinente discutir o tema. Aqui está o meu pequeno contributo:

Deixemos, para já, as teorias de parte e vamos a casos práticos. Um dos principais argumentos daqueles (os deputados) que contestam a opinião generalizada e populista de que “a maioria dos deputados não faz nada”, sustenta que o grosso do seu trabalho está longe da vista da opinião pública, nas comissões parlamentares.

Fui investigar a Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar, cujas funções arrancaram em 6/7/2011. Possui 46 membros e no seu plano de actividades destaco o acompanhamento das políticas comunitárias, nomeadamente a execução do ProDer 2007/2013 e a definição das regras e regulamentos comunitários do próximo quadro de apoio 2014/2020; como acções prioritárias, no sector agrícola, a água e os planos de regadio e o leite e lacticínios; nas ações de acompanhamento, a bolsa de terras.

Desde logo, chamou-me a atenção o facto dos resultados do trabalho da comissão parlamentar serem pouco conhecidos na opinião pública e, portanto, ter um poder muito reduzido. Serve, na esmagadora maioria dos casos, para controlar o trabalho do Governo e recomendar (projectos de resolução). São ínfimas as iniciativas da comissão que resultam em projectos de lei cujo poder legislativo leve a uma matriz de políticas eficazes de nova geração para as agriculturas de Portugal que rompam o statu quo e criem emprego e valor acrescentado.

Deixem-me ser um pouco cáustico. Chega a ser patético verificar que como actividade da comissão parlamentar se refiram “visitas de trabalho e reuniões” à Feira Nacional de Agricultura ou à Feira do Porco Alentejano, ou às comemorações do 1.º aniversário do sobreiro como árvore nacional. Não há visitas a outras agriculturas e regiões de Portugal?

Não sei se 46 deputados na Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas são um número elevado ou não. Nem sei se as 212 reuniões que esta comissão realizou desde o seu início, o que dá seis reuniões por mês, é muito ou pouco.

O que sei é que, por exemplo, face à divulgação pública dos fracos resultados da bolsa de terras nacional, esta comissão parlamentar devia ter tomado posição e desencadeado iniciativas para identificar o problema e levar o Governo a alterar/melhorar o modelo.

O que sei é que esta comissão devia estar a acompanhar de perto, com tomadas de posição e iniciativas públicas, o projecto de Alqueva, que planos de negócio estão a ser elaborados para retirar todo o potencial de um investimento público de mais de 2500 milhões de euros, que emprego e valor acrescentado cria no curto, médio e longo prazos.

O que sei é que, face a ter sido tornado público o fim das quotas leiteiras, esperava ver a comissão a tomar posições e iniciativas e nada vi. Ou que, face à entrada em vigor do novo PDR 2014/2020, todos pudessem perceber o que estava em causa e, aqui, o papel da comissão teria que ter sido mais efectivo e público. Mas o que se viu e ouviu foi nada.

O que defendo é que se devem mudar as regras, dar mais poderes a estas comissões, melhorar a forma de actuação e publicitação dos seus processos e documentos, escrutinar mais o seu trabalho pela opinião pública e colocar todos os seus membros, 46 ou mais, a conhecer melhor a realidade, promover e a defender a nossa economia e a nossa agricultura.

Engenheiro e consultor agrícola, josemartino.blogspot.pt

 

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