Número de sinalizações de crianças vítimas de tráfico disparou em três anos

Relatório do Observatório do Tráfico de Seres Humanos apontava para a possível existência de 49 casos em 2013. Portugal está a ser utilizado como plataforma de tráfico de seres humanos.

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Há pessoas a sair de África e a passar por Portugal rumo a países europeus mais prósperos David Clifford

Algo pode estar a mudar. Ao Observatório do Tráfico de Seres Humanos chegou no ano passado notícia de 49 eventuais vítimas menores de idade. Três anos antes, as polícias não tinham ido além de sete. Nem todas as suspeitas se confirmaram. No fim do ano, 27 casos continuavam em investigação.

São raros os processos como o que agora envolve Daniel, o bebé de 18 meses que a mãe terá tentado vender na Madeira no início desde ano (ver texto). De acordo com o relatório anual, a Polícia Judiciária abriu três inquéritos relacionados com tráfico de crianças portuguesas para adopção.

A maior parte do tráfico de crianças por cá terá por objectivo a exploração sexual ou a mendicidade forçada. Em 2013, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) contava 17 casos de tráfico para exploração sexual de raparigas, entre os 13 e os 17 anos, oriundas da Nigéria, da Guiné-Bissau, do Senegal e de outros países africanos. E sete de tráfico para mendicidade de crianças, entre os nove e os 16 anos, oriundas dos Balcãs. Seriam de nacionalidade portuguesa as outras crianças sinalizadas por organizações não governamentais (ONG).

Joana Daniel Wrabetz, que foi a primeira coordenadora do observatório e com ele ainda colabora, congratula-se: “Finalmente, [as autoridades] começam a identificar crianças.” A identificação está longe de ser simples. “É um processo que tem de ser melhorado”, salienta. A especialista considera que tem vindo a sê-lo.

Manuel Albano, relator do relatório sobre Tráfico de Seres Humanos, está convencido de que toda a gente está mais atenta. “Tem havido um esforço muito grande” para sensibilizar, informar, formar – as polícias, mas também a sociedade como um todo. A começar pelos estudantes do ensino básico, secundário e superior com quem têm trabalhado ONG. Não basta correr atrás do prejuízo. Há que sensibilizar, prevenir. E isso, considera aquele dirigente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, passa por todos: implica “consciência social sobre o que é a vida humana”, saber que “uma pessoa não é uma mercadoria”.

É um fenómeno residual. “Portugal não é um país especialmente atractivo [para traficantes de seres humanos]”, diz o director nacional adjunto do SEF, José van der Kellen. “Subjacente ao tráfico está a dimensão económica. O que torna um país atractivo é o gerar muito dinheiro, o movimentar muito dinheiro”, explica. Ora, Portugal está a braços com uma crise financeira, económica e social.

Dos países pobres para os ricos
Neste momento, a maior preocupação de José van der Kellen é “a utilização do país como plataforma” de tráfico de seres humanos. Há pessoas a sair, sobretudo, de África em situação de “grande vulnerabilidade” e a passar por Portugal rumo a países europeus mais prósperos. E pessoas saídas do Leste da Europa a circular pela União, incluindo Portugal, também em grande vulnerabilidade.

Parecem ter-se multiplicado as redes que forçam idosos, mulheres e crianças a mendigar, ou mesmo a roubar, pelas mais variadas cidades europeias e que ao fim de cada dia lhes ficam com o ganho. “Este ano ainda não tivemos casos de crianças [nesta situação], mas estamos atentos, porque sabemos que isso acontece”, comenta o inspector.

No ano passado, ninguém terá recorrido ao Programa de Apoio ao Retorno Voluntário para auxiliar uma vítima de tráfico. Segundo o relatório do Observatório de Tráfico de Seres Humanos, tutelado pelo Ministério da Administração Interna, 34 das 49 crianças sinalizadas foram acolhidas em lares de infância e juventude ou outras estruturas de apoio. As outras não terão recebido assistência.

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