“Taxa de congestionamento nas cidades pode ser uma fonte importante de receitas”

Jorge Vasconcelos, presidente da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde, reitera neutralidade fiscal e diz que o seu mandato não é aumentar impostos.

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Jorge Vasconcelos diz que o debate sobre a fiscalidade verde é feito de uma forma doutrinária Nuno Ferreira Santos

Na passada quarta-feira, a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde entregou ao Governo um anteprojecto com 40 propostas e 26 recomendações de novos impostos e benefícios, para tornar o país sustentável. Entre elas, há taxas sobre o carbono nos combustíveis, sobre as viagens aéreas e sobre os sacos de plástico. Há também benefícios e isenções fiscais para carros eléctricos, bicicletas e passes de transportes públicos. No total, o pacote proposto somará 180 milhões de euros de receitas novas, que em tese serão compensadas com redução de outros impostos. O PÚBLICO conversou com o presidente da comissão, Jorge Vasconcelos.

Com 180 milhões de receitas previstas, a fiscalidade verde não dá pouca margem para reduzir significativamente outros impostos?
Estes valores correspondem à análise que foi efectuada a 40 propostas. Há outras que poderiam ser equacionadas, mas não houve condições, em três meses, para fazer uma análise aprofundada que permitisse apresentar com segurança e convicção outras propostas. O valor que está aqui é o que resulta da análise detalhada que foi feita. A informação está toda disponível e pode ser verificada. Independentemente da apreciação subjectiva que possamos fazer deste montante, se achamos que é muito alto ou muito baixo, temos de nos confrontar com a realidade.

Um estudo da Agência Europeia do Ambiente previa um impacto de 3100 milhões de euros. Esse estudo sobrestimou o que se poderia conseguir?
Sim, não conseguimos encontrar dados que nos permitissem confirmar os valores desse relatório.

Além das 40 propostas, há 26 recomendações. Vê alguma em particular que teria um impacto forte nas receitas?
Certamente que sim. Se tivéssemos certificados de eficiência energética, poderia ser importante. A aproximação da tributação do gasóleo à gasolina também. No sector dos transportes, se forem adoptadas taxas de congestionamento nas cidades, será uma fonte importante de receitas para os municípios. Isto só para falar aqui de algumas [recomendações].

A taxa de congestionamento seria competência dos municípios?
É uma decisão que cabe aos municípios. Aquilo que se recomenda é que haja uma harmonização a nível nacional das metodologias a adoptar, do quadro legal para a efectivação desta taxa.

E isto seria feito pelo Governo?
Este quadro legal tem de ser feito na Assembleia da República. A responsabilidade pela adopção caberá sempre aos municípios. Entendemos que poderia haver uma entidade gestora, com responsabilidade na implementação do sistema em todos os municípios abrangidos. Esta medida requer uma determinada infra-estrutura de controlo e de medida das entradas nas áreas afectadas, e certamente haveria economias de escala se esta infra-estrutura pudesse ser replicada nos vários municípios com uma mesma base tecnológica. O que sugerimos é que a implementação seja obrigatória para todos os municípios que incluam zonas que, nos últimos cinco anos, ultrapassem em mais de três anos consecutivos, por mais de 30 dias por ano, o valor máximo diário de concentração de partículas ou de óxidos de azoto. A fixação da taxa poderia ser feita por portaria do Governo, dentro de um determinado intervalo, depois de ouvido o município em causa.

Disse que a comissão não teve muito tempo para desenvolver o seu trabalho. Aquilo que o Governo tem em mãos é uma boa base para se falar da reforma da fiscalidade verde? Ou seja, vale a pena avançar com meio trabalho feito?
Claramente. Este é um primeiro passo importante. Não temos a pretensão de apresentar aqui um processo fechado. Mesmo que houvesse mais tempo seria sempre recomendável não fazer as coisas todas ao mesmo tempo, mas com algum gradualismo. Não me parece que seja uma boa ideia pensar que, com alguém fechado numa torre de marfim durante um ano, no fim se implementa um pacote de milhares de medidas e com isto se altera radicalmente, de um dia para o outro, o país. Há aqui um trabalho de sistematização que é novo em Portugal. E há um conjunto significativo de 40 propostas que, se forem introduzidas, vão iniciar um processo de reforma que é importante.

Se tivesse de escolher uma medida por onde começar, qual escolheria?
Não vejo nenhuma razão para que não sejam implementadas as 40. Eu gostaria era que fossem implementadas mais, que grande parte das recomendações pudesse rapidamente também ser transformada em propostas, que se continuasse o trabalho. Não tivemos a preocupação de fazer uma proposta doutrinária. A nossa intenção não foi pôr aqui várias bandeiras para dizer que entendemos que “deve ser assim”. Tentámos que as propostas apresentadas fossem, todas elas, exequíveis.

Houve já críticas de que as propostas apenas representam um agravamento fiscal…
Isto não é verdade. É um equívoco que talvez resulte de uma falta de comunicação do nosso lado. A comissão trabalha num cenário de neutralidade fiscal. O mandato desta comissão não é aumentar impostos. É explicar como é que se pode alterar a estrutura de impostos num cenário de neutralidade.

Mas o que se diz é que o que foi apresentado só mostra o lado dos novos impostos, não mostra as contrapartidas…
Isto também não é verdade. Por exemplo, no que diz respeito ao CO2, apresentamos vários cenários alternativos de reafectação daquela receita. Provavelmente, algumas pessoas esperariam que a comissão fizesse uma proposta concreta, de carácter vinculativo e jurídico, dizendo como é que aquela receita seria utilizada. Não fizemos isto porque, numa fase de consulta pública, faz sentido apresentar várias alternativas para que possamos ouvir vários pontos de vista. Há algumas soluções que são mais vantajosas para o crescimento do emprego, outras que são mais vantajosas para o crescimento do PIB, outras que têm um impacto melhor sobre a dívida pública, outras sobre a dívida externa. Há várias soluções possíveis.

Por que nenhuma destas soluções está no articulado da lei que propuseram?
Se a comissão tivesse feito uma proposta concreta, tivesse pegado num dos vários cenários e dissesse “vai ser assim”, provavelmente seríamos criticados por não deixar espaço de debate sobre alternativas. Isto provavelmente tem a ver com a forma como este debate da fiscalidade é conduzido em Portugal, que é muito doutrinário. Normalmente, há palpites, há indicações. Eu respeito todas as opiniões. Mas gostaria que estas opiniões fossem fundamentadas e que não fossem apenas palpites, sugestões que resultam de preferências culturais ou sociais. Estamos aqui, provavelmente pela primeira vez, a pôr em discussão pública um documento que mostra que há soluções que são más, que nem sequer devem ser seguidas, e que há outras que são boas, que têm efeitos positivos, mas que não há só uma. A economia não é uma ciência exacta e felizmente dá-nos vários graus de liberdade.

Não têm razão então aqueles que dizem que esta reforma fiscal é só um agravamento de impostos?
Claro que não. O mandato da comissão é garantir a neutralidade fiscal, transferindo receita fiscal da área ambiental para que isto possa ser usado na redução de outros impostos.

Ainda assim, há aumentos que, nos combustíveis, chegam a ser brutais, como para o carvão.
Isto mostra que há uma distorção muito grande actualmente, em termos ambientais. Os preços dos combustíveis não estão a reflectir adequadamente o seu impacto em termos de emissões de gases com efeito de estufa.

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