E a política segue dentro de momentos

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Escrevo a minha última crónica do Mundial sem saber ainda quem vai levar o galardão para casa. Não sei se é a Europa que ganha à América Latina, se vice-versa. No fundo, não é muito importante. Muitos jogadores argentinos (e brasileiros e uruguaios e colombianos) fazem a sua vida na Europa, por muito dinheiro e muito profissionalismo.

Apenas regressam à Pátria para integrar a respectiva selecção e fazer o melhor que podem. No seu íntimo, talvez sintam que têm o dever de retribuir-lhe a sua escolha europeia. Os melhores do mundo, como Messi ou Ronaldo, também sabem que se lhes vai exigir um preço que, na maioria das ocasiões, não podem pagar. O Monde escrevia ontem que Messi não conseguirá figurar ao lado de Maradona no altar da devoção argentina se não lhe oferecer um mundial. Maradona, com a mão de Deus, ofereceu-lhe dois. Mas a culpa não é só deles, quando perdem. Esta Copa, cheia de surpresas (pelo menos para mim, que não percebo muito do ofício) também foi reveladora de que a mais bela obra que Portugal deu ao mundo (o Brasil), incluiu os nossos defeitos. Para além de Deus ser brasileiro, ambas as selecções tinham o seu “melhor do mundo”. Acreditaram que, com sorte, isso seria o suficiente. Subestimaram o esforço colectivo. Perderam. Vão ter de fazer o seu trabalho de casa, como outros já trataram de fazê-lo há muito tempo. Com tantos brasileiros (e latino-americanos) nas equipas europeias, não é de surpreender que a Alemanha ou a Holanda tenham percebido que, esforço e tempo, poderiam transformar-se em equipas capazes de “sambar” e de ganhar. ÉR uma questão de cultura.

A segunda ironia da Copa tem a ver com a final, cujo resultado ainda não conheço. Os brasileiros vão apoiar a selecção que lhes fez sofrer a maior humilhação de sempre. Tal como na nossa relação com a Espanha, hoje já pacificada pela integração europeia, detestam os seus “hermanos” argentinos (chamam-lhes assim mesmo, como nós) com os quais têm uma longa história de rivalidade. O país-baleia do continente sul-americano é, como todos os países de dimensão continental, fechado sobre si próprio. Quis e quer ser o grande integrador da América do Sul. Não conhece bem os seus vizinhos nem nutre por eles uma grande simpatia. É hoje uma confiante potência emergente, a sétima economia do mundo. Dilma deve sentir-se melhor ao lado de Merkel, que esteve lá para apoiar a sua selecção, do que de Fernanda Kirchner, que nem a vitória argentina livraria o seu país da falência eminente. São as duas mulheres mais poderosas do mundo (a vantagem é da chanceler). Acreditam que lhes é devido um lugar permanente no Conselho de Segurança. “O Brasil não quer democratizar o mundo, quer democratizar o poder mundial”, costuma dizer um sociólogo brasileiro. A Alemanha às vezes não resiste à tentação de se portar como uma “potência emergente”, dizem alguns europeus. Gostam de discutir entre si os abusos da espionagem norte-americana ou a melhor forma de lidar com Vladimir Putin, que esteve também ao lado de Dilma no Maracanã, para receber o testemunho da organização da próxima “Copa”, em 2018. Provavelmente, Merkel e o Presidente russo trocaram ideias sobre o conflito ucraniano. Dilma prepara-se para a cimeira dos BRICS, amanhã, em Fortaleza, e para a visita oficial de quatro dias do Presidente chinês Xi Jinping.

O que é que isto tem a ver com o futebol? Rigorosamente nada. Ou apenas uma coisa: que a vida continua num mundo tão cheio de surpresas (na sua maioria, desagradáveis) como este campeonato do mundo. Se a Argentina perdeu, não faz mal. Estamos-lhe eternamente gratos pelo Papa Francisco. Se a Alemanha ganhou, também não. Merkel não ficará eufórica ao ponto de nos aliviar a austeridade.  E falta ainda dizer uma coisa que, essa sim, é uma excelente notícia. A Bósnia levou a sua selecção ao Brasil, quase 20 anos depois da intervenção da NATO nos Balcãs, e ninguém se entreve a contar as etnias representadas na equipa. Só isso valeu a pena.

 

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