Perderam, playboys

Crónica "Passe de Letra", outra forma de olhar para o Mundial de futebol.

O Domingos era um dos meus jogadores preferidos. Nos tempos de miúdo, quando eu era um benfiquista total, quando o João Vieira Pinto era deus na terra, aquele gesto do Domingos a puxar o braço atrás para o lançar em arco, aquele gesto com que festejava todos os golos que marcava pelo FC Porto, era um dos momentos que mais apreciava a ver a bola pela televisão.

É evidente que doía. Sempre doeu. Os “dragões” deram-me uma adolescência terrível e foi Domingos quem lançou o “penta” azul, esse maldito e penoso calvário vermelho. Ainda assim. Um golo é uma alegria e o Domingos marcava dos bonitos (e, pelos vistos, anda aí um outro avançado a saber marcá-los com estilo: Gonçalo Paciência, o filho, também no FC Porto).

O Domingos, mais do que qualquer outro, ajudou-me a gostar de futebol pelo belo desporto que é e não pelo sentimento de pertença a um grupo. Mostrou-me que era – e é – possível apreciar os adversários. Não o queria no Benfica. Ele ficava bem era no FC Porto (não deveria ter ido para o Tenerife) e era com ele do outro lado que queria ver o Benfica a ganhar.

Chorei muitas vezes a ver futebol, tal como aqueles miúdos que estavam no Mineirão, em Belo Horizonte, a ver a Alemanha a destruir o Brasil. Quantos adeptos não se fizeram gente a aplacar as derrotas dos seus clubes? Todos? Eu chorei, esperneei, fiquei angustiado, triste, desolado. Pelas derrotas do Benfica e não porque o FC Porto ganhava. Pela selecção, também.

A incomensurável vontade de ver ganhar a minha equipa num dos períodos mais frágeis da sua história chegou a fazer de mim um céptico. Depois, vi a final da Liga dos Campeões de 1999 e tornei-me num optimista. Acho sempre que é possível dar a volta. Quando o Gana empatou no jogo com Portugal, aos 57’, continuei a acreditar que a selecção podia passar a fase de grupos.

Não aconteceu. Neste Mundial, fartei-me de perder. Perdi na derrota de Portugal contra a Alemanha, no empate contra os EUA e até na vitória sobre o Gana. Perdi a Bósnia, o Equador, a Argélia, o Uruguai, o Chile, o México, o Pirlo, o Navas, o James e, finalmente, o Brasil – o mesmo Brasil que queria ver no Maracanã, onde a Holanda venceria o seu primeiro Mundial.

A selecção brasileira é, provavelmente, a mais ufana de todas as equipas nacionais. Com cinco Mundiais conquistados e vários jogadores entre os melhores de sempre, seria difícil não sê-lo. Mas foi com o “escrete”, com o atabalhoado “escrete” de 2014, que me lembrei do Domingos. Pelo respeito, admiração e até cumplicidade que adversários demonstraram em campo.

Primeiro no Brasil-Colômbia dos quartos-de-final, quando reparei na amizade de David Luiz e Hulk, até há pouco glorificados rivais na Liga portuguesa. No final desse jogo, David Luiz voltou a brilhar pedindo aplausos para James Rodriguez. Depois, no Brasil-Alemanha, com os alemães a consolar os brasileiros e com David Luiz, mais uma vez ele, sem consolo possível.

No fim do 1-7, não houve exultação. Não era possível sem humilhar mais os derrotados. Os adversários respeitaram-se e eu lembrei-me do Domingos, percebendo que essa era a minha primeira vitória neste Mundial: ganhar aos rancorosos da bola. Os mesmos que espezinharam Cristiano Ronaldo na Folha de S. Paulo, em manchete, após o Portugal-Alemanha: “Perdeu, playboy”. Não, camaradas: perderam vocês.

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