Gregos lutam contra a privatização das suas praias

A Grécia quer fazer dinheiro e atrair investimento estrangeiro vendendo terrenos mesmo à beira-mar, termas, até um castelo neogótico. Os críticos queixam-se que o património está a ser estragado e desbaratado.

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A Grécia tem o mar e as praias protegidos pela Constituição Yannis Behrakis/reuters

Petições online, blogues, cartas abertas, vídeos – os gregos estão numa campanha forte contra os planos do Governo de reformular uma lei que muda a protecção ao litoral e contra a proposta de venda de mais de cem propriedades mesmo na costa.

Até agora, os protestos fizeram com que o Governo apenas prometesse alterar a lei, e as propriedades mantêm-se à venda, numa lista enorme de património que será vendido para cumprir a meta da troika de credores (UE, FMI e BCE) para verbas obtidas através de privatizações (e que incluem não só as zonas costeiras, mas também aeroportos, empresas de água e electricidade, a lotaria nacional, etc.).

Quanto às propriedades, a lista das que estão disponíveis para vender está na Net e em inglês. Têm mapas localizadores, algumas fotografias, descrições e nota de restrições à construção: algumas legais, outras motivadas pelo ambiente, outras ainda arqueológicas. Muitas estão mesmo na costa, mas há zonas em cidades, edifícios de serviços públicos, quatro estâncias termais e ainda um castelo. Algumas propriedades provocaram especial polémica por estarem em zonas protegidas como a Rede Natura 2000 (zonas de protecção da biodiversidade de espécies raras ou ameaçadas), como as da ilha de Elafonisos, na costa do Peloponeso.

“Esta não é exactamente uma privatização das praias”, nota George Chassiotis, do Fundo de Protecção da Natureza (WWF) grego. “O que é cedido não é a praia, mas o terreno à volta.” Não há venda, mas sim cedência da exploração (permitindo construção) para dezenas de anos (entre 50 e 100 anos). No entanto, o executivo pretende aprovar uma nova lei que acabe com as restrições da construção nas praias e também das zonas de concessão, que até agora têm tamanhos máximos e têm de ser intercaladas por zonas não concessionadas.

É um enorme potencial para atrair investimento e criar postos de trabalho – na construção, serviços, etc., dizem o Governo e a Comissão Europeia. É uma receita para desvalorizar património, prejudicar o ambiente e assim afastar turistas, dizem os críticos.

Com mais de 13 mil quilómetros de costa, equivalente a um quarto da extensão das costas europeias, a Grécia tem o mar e as praias protegidos pela Constituição. Mas o acesso livre seria ameaçado pela lei que altera a exploração – algumas praias em Atenas, por exemplo, já só são acessíveis através de pagamento a concessionários.

Na Grécia sempre houve restrições à construção no litoral, embora exista bastante construção ilegal, desesperante agora para os responsáveis dos fundos de privatização que não conseguem pôr à venda algumas propriedades entretanto cheias de casas ilegais mesmo à beira da praia.

Conta-se que muitas destas casas surgiam mesmo antes de eleições, quando os políticos que queriam votos fechavam os olhos e permitiam que se mantivessem, obtivessem energia eléctrica através de conhecimentos, e passado algum tempo surgia uma pequena comunidade ilegal ao pé do mar. O projecto de lei que o Governo quis aprovar previa ainda que as construções ilegais pudessem ser legalizadas apenas contra o pagamento de uma multa.

Apesar das irregularidades, foram as restrições na construção que evitaram que a costa grega acabasse como as de Espanha ou Itália – e foi de Espanha que veio um aviso sobre as consequências do excessivo desenvolvimento nas zonas costeiras: o representante espanhol do WWF, Juan Carlos del Olmo, escreveu ao primeiro-ministro grego pedindo-lhe que evitasse o erro cometido por Espanha, onde 75% da costa está urbanizada ou em vias de o ser.

O turismo é cada vez mais visto na Grécia como uma bóia de salvação da economia em crise, com o país de 10 milhões de habitantes à espera de 18,5 milhões de estrangeiros este ano, o que será um recorde. Mas o turismo não precisa de grandes complexos nem de praias privadas, argumentam os que se opõem a estas medidas. Até pelo contrário. Em Rhodes e Creta, o “desenvolvimento intenso está a ameaçar o próprio turismo, já que o capital natural é parte do produto turístico”, argumenta Juan Carlos del Olmo. Creta, que é famosa por produtos agrícolas de sabor excepcional, terá também a qualidade do solo ameaçada.

As praias e as zonas turísticas são apenas uma das batalhas dos gregos contra as privatizações – estão à venda 38 aeroportos, 12 portos, a companhia de electricidade, do gás, caminhos-de-ferro, uma petrolífera, auto-estradas, etc. A troika de credores estabeleceu uma meta de 1,5 mil milhões de euros que a Grécia deve conseguir através de privatizações em 2014 (baixando muito o objectivo inicial que era de 3,5 mil milhões).

Até agora, os protestos populares (e um referendo em que o “não” venceu com 98%) impediram apenas uma privatização: a da empresa de águas Eyath, de Salónica. 

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