Ambientalistas e caçadores preocupados com a libertação de linces

Anúncio de que reintrodução da espécie em Portugal pode começar depois do Verão é fortemente criticada.

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Libertar o lince sim, mas quando? Cristina Quicler/AFP

Ambientalistas e caçadores estão preocupados com a possível libertação, já em Setembro, de oito linces-ibéricos no Parque Natural do Guadiana, na zona de Mértola.

A data provável foi anunciada na terça-feira pelo secretário de Estado do Ordenamento do Território e Conservação da Natureza, Miguel de Castro Neto. Mas a associação ambientalista Quercus diz que não é certo que haja condições para o fazer, enquanto organizações representativas dos caçadores queixam-se de que há aspectos fundamentais que não estão esclarecidos.

Um dos centros da polémica não é o lince em si, mas os coelhos-bravos – o principal alimento do felino mais ameaçado do mundo. Para os caçadores, o lince só pode ser libertado se houver coelhos em número suficiente para ambos. Além disso, os caçadores temem que, com os linces de volta à natureza no país, o Governo imponha novas restrições à actividade cinegética.

Na terça-feira, uma série de organizações subscreveram um pacto pela preservação do lince, promovido pelo Governo, no qual está expresso que a reintrodução daquela espécie “não implicará a criação de limitações ou proibições” às actividades agro-florestais e cinegéticas. Os proprietários de zonas de caça deram-se por satisfeitos com esta formulação, manifestando porém preocupação quanto ao momento certo da libertação.

Já os caçadores em si não ficaram contentes. A Federação Portuguesa de Caça e a Confederação Nacional de Caçadores Portugueses não compareceram à cerminónia de assinatura do pacto. Ambas "concordam com a reintrodução do lince-ibérico, mas não com a forma ambígua como tem vindo a ser delineado e desenvolvido todo este processo", segundo referem, num comunicado. "Não foram suficientemente acautelados e esclarecidos alguns aspectos fundamentais em torno deste projecto, designadamente condições, locais, condicionalismos, proibições e contrapartidas da reintrodução”, completa o comunicado.

Os caçadores temem que as decisões de gestão da caça passem para o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) “sempre que considere que a população dos coelhos está a atingir níveis desaconselháveis à reprodução do lince-ibérico”.

Na terça-feira, o secretário de Estado Miguel de Castro Neto mostrou-se convicto de que o pacto, e em particular um contrato-tipo entre o ICNF e as zonas de caça, acautelaria todos os interesses em jogo.

Mas caçadores e ambientalistas sugerem que o que interessa ao Governo é simplesmente libertar o lince – um acto de forte simbolismo, que assinala o início da reintrodução da espécie ameaçada mais emblemática de Portugal, alvo de campanhas para a sua protecção desde a década de 1970.

Os caçadores dizem que o Governo deveria investir na recuperação dos habitats e das populações de coelhos – algo que o Ministério do Ambiente diz estar a fazer. "Ao invés, a preocupação passou apenas pela definição de metas e formas de reintrodução do lince-ibérico”, diz o comunicado das duas organizações de caçadores.

A associação ambientalista Quercus fala num processo “demasiado apressado e pouco transparente”, a que não estará alheia a proximidade das eleições legislativas de 2015. “Teme-se que possa haver neste processo alguma tentativa de instrumentalização política”, refere a Quercus, num comunicado.

Os ambientalistas exigem que sejam divulgados os dados concretos das monitorizações de coelhos nas áreas onde ocorrerá a libertação de linces. E põem em dúvida os critérios que estiveram na base da escolha daquelas áreas – o Parque Natural do Vale do Guadiana e a região de Moura-Barrancos.

“Desconhece-se igualmente o grau de compatibilização da presença da espécie com as actividades agro-florestais e da exploração cinegética nas áreas selecionadas e em que medida serão minimizados os impactos do lince sobre as mesmas, porque as informações disponíveis enfermam de uma simplificação excessiva”, lamenta a Quercus.

Segundo a associação, uma comissão de acompanhamento externa do Plano de Acção para a Conservação do Lince-Ibérico “não reúne desde 2010”, numa situação “incompreensível”.

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