A bota de ouro podia ir para a selfie

Só na fase de grupos do Mundial 2014, foram registados mais de 10 milhões de auto-retratos dentro dos estádios.

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A selfie da selecção com o Presidente da República, Cavaco Silva DR

O cenário é idêntico nos 12 estádios que recebem os jogos do Mundial: um braço estendido com um telemóvel na mão, apontado não para o relvado, mas sim para o rosto de quem tira as fotografias. A grande vedeta desta competição poderia ser Messi, Müller, Neymar ou até mesmo Eden Hazard, mas quem vence esta categoria é a selfie.

O Mundial no Brasil é o primeiro da era massiva dos smartphones que alimentam as redes sociais com milhões de imagens e mensagens. Depois do Campeonato do Mundo em 2010, na África do Sul, o número de telemóveis com acesso à Internet quadruplicou, passando de 800 milhões para 2,5 mil milhões, segundo a associação GSMA, que agrupa os operadores de telemóveis no mundo inteiro.

São tantos auto-retratos a serem tirados antes e depois dos jogos que, só na fase de grupos, contabilizaram-se mais de 10 milhões de fotografias enviadas dentro dos estádios-sede, de acordo com o jornal brasileiro Gazeta do Povo.

O destino mais comum destas imagens são as redes sociais: “É muito tentador para um ser humano sentir-se reconhecido e a Internet é um poderoso instrumento de comunicação. No caso da selfie, que não depende de empresas ou de agências de publicidade, é o próprio indivíduo que comunica por si mesmo”, referiu à France Press Rosa Maria Farah, do Centro de Pesquisas em Psicologia da Universidade Católica de São Paulo.

Os jogadores também não escapam a esta febre narcísica. Neymar, de 22 anos e ícone de milhões adolescentes brasileiros, exibe regularmente a sua vida íntima nas redes sociais. A fotografia que o jogador publicou no dia 13 de Junho, depois do jogo de abertura do Mundial, Brasil-Croácia, recolheu mais de um milhão de “gostos” na rede social Instagram. Na imagem é visível Neymar de tronco nu, com a sua namorada ao seu lado. Também a selecção nacional aderiu a esta nova moda, tirando uma selfie com o actual Presidente da República Cavaco Silva. No primeiro plano da fotografia aparece Cristiano Ronaldo, que partilhou a imagem na rede social Twitter, onde foi reproduzida 14 mil vezes e escolhida como favorita por 17 mil utilizadores.


Também Lukas Podolski publicou uma selfie nos balneários, tendo como sua companheira a chanceler alemã Angela Merkel, depois da vitória contra Portugal, partilhando assim um momento de intimidade normalmente interdito ao grande público. O argentino Sergio Agüero foi mais audacioso: tirou um auto-retrato com cada um dos seus colegas de equipa. Os seus seis milhões de fãs no Twitter tiveram assim a oportunidade de penetrar dentro do grupo da selecção argentina, algo que até há alguns anos não era imaginável.
 

 

 


A cada clique com a câmara do telemóvel voltada para eles próprios, as estrelas do futebol provocam as mais variadas reacções. As que são tiradas juntamente com os filhos têm sucesso garantido, de acordo com a Folha de São Paulo: o português Cristiano Ronaldo angariou 712 mil “gostos” na última selfie que tirou com o seu filho.

O lado bom destes auto-retratos é a face democrática da evolução tecnológica, destaca o fotógrafo e professor de Fotografia, Michel Willian ao jornal Gazeta do Povo: “Hoje, pessoas que, há alguns anos, nunca tirariam uma foto, têm a possibilidade de fazer bons registos usando um telefone. O que preocupa é que permite tantos cliques, que a noção de fotografia como recordação dura menos.”

Também citado pela Gazeta do Povo encontra-se o psicólogo do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática, Paulo Gomes, que explica que o gosto por fazer e exibir auto-retratos vem da possibilidade que cada um tem de criar uma montra de si mesmo. “É para ter a aprovação do outro, mostrar algo a nosso respeito a outra pessoa. O ser humano, por essência, não está sozinho no mundo, precisa de um certo nível de validação”, acrescentou.

Durante o caminho para o estádio, nas telas gigantes das “Fan Fests” ou mesmo dentro de bares, todos os locais são bons para tirar fotografias. Nos primeiros jogos nos 12 estádios do Mundial, foram registadas 7,6 milhões de comunicações feitas – e-mails, fotografias, mensagens multimédia -, através das tecnologias 3G e 4G e a rede sem fios. De acordo com o governo brasileiro, a tecnologia funcionou muito bem dentro de cada estádio.

Nada impede este tsunami de imagens e mensagens que viajam nas redes sociais durante o Mundial. Na primeira partida da competição, mais de 300 milhões de mensagens foram partilhadas no Twitter. O Facebook também não ficou de fora: mais de 220 milhões de pessoas interagiram na rede social, através de mais de mil milhões de publicações, comentários ou “gostos”, um recorde absoluto.
 

 

 

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