O Presidente que veicula a confissão governamental

Não há ética de convicção, mas ética de colaboração.

Nesta data, não há ser pensante que não saiba que o Governo faz por não saber governar de acordo com a Constituição (CRP). De orçamento em orçamento, Passos, rodeado de constitucionalistas dispostos a afogarem a sua integridade científica – como Poiares Maduro –, fez por ignorar a jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC). Todos os chumbos foram os esperados e, no que não foram, a causa de algum espanto foi os acórdãos pecarem por defeito na penalização do executivo.

A mensagem infantil e derrotada à partida – um alemão explicaria bem isto ao Governo – de que o TC inviabiliza a ação de quem governa foi acolhida com a inteligência que sobra ao povo e que falta ao Governo: é este último e não o TC que inviabiliza uma governação nos limites da legalidade. Mais: é o Governo que quer movimentar-se fora da lei. Assente em declarações terroristas como a da necessidade de “escrutinar melhor os juízes” que, imagine-se, não cumpriram com as expetativas de quem os escolheu, provavelmente assente numa lógica de avença, a verdade da mensagem é só uma: aconteça o que acontecer, a política do Governo será sempre cortar salários e pensões.

Este é o ponto que justifica ouvirmos Poiares Maduro a ver uma aclaração num indeferimento da aclaração e, pior, no sentido de se extrair do acórdão do TC um tratamento discriminatório relativamente a subsídios de férias. Poiares Maduro é desautorizado pouco depois pelo Conselho de Ministros e ainda está em funções, isto é, na sua função de servir o poder deitando ao lixo a formação académica em tempos respeitada.

As manobras de ataque ao TC, insisto, são apenas a afirmação de que serão sempre os mesmos os alvos da austeridade.

Como esse ataque sistemático é, já sabemos, inconstitucional, nada como pedir ao cúmplice do ataque que entre em campo.

Temos, pois, Cavaco. O Governo que não sabe, diz, governar dentro da lei, pede ao PR que este trate de acionar a fiscalização preventiva dos diplomas para que fiquem claras as tais das “orientações políticas” do guarda da CRP.

É bem pensado. Cavaco, bem assessorado, e sabendo ainda melhor do que a minha vizinha das inconstitucionalidades que remontam a 2012, nada fez de relevante quanto ao poder que tem de se dirigir ao TC, poder que tem, precisamente, porque lhe compete “fazer cumprir a Constituição”. Foram 17 Deputados do PS (desacompanhados violentamente da sua direção) e todo o BE que marcaram presença. O TC foi claro e Cavaco lamentou o tempo perdido. Aquilo “doeu” a quem poderia ter arrumado o ultraje do saque de dois subsídios numa fiscalização preventiva (competência exclusiva do PR) mas terá doído mais a quem penou um ano com o saque inconstitucional.

 A “dor”, acompanhada da leitura fácil do acórdão, também não moveu Cavaco no ano seguinte, perante um corte, aos mesmos, de um subsídio. Sabia que era inconstitucional, tanto que pediu a fiscalização sucessiva, mas aliviou o Governo do susto de acionar preventivamente tanta dor e tanta convicção.

Quanto aos cortes de salários de 2014, que violavam todas as premissas fixadas pelo TC quanto à matéria em 2011, em 2012 e em 2013, Cavaco leu “475 euros”, essa nova base de imposto extraordinário criada para milionários, deve ter sentido aquela dor, mas lembrou-se do seu conceito histórico de “cooperação institucional”. Por isso, mais uma vez, nada fez. Felizmente, toda a oposição e Provedor de Justiça trataram do assunto, mas sucessivamente, porque é esse o poder/dever que a CRP nos confere.

Pode dizer-se que Cavaco fez alguma coisa em matéria de pensões. Pois fez. Às vezes. Por acaso nada fez quanto às pensões de sobrevivência atacadas no último orçamento em normas chumbadas pelo TC.

Este é o regular funcionamento de Cavaco. Não há ética de convicção, mas ética de colaboração.

Por isso, quando agora o Governo pede a Cavaco para suscitar a fiscalização preventiva de diplomas para se saber das orientações do TC apelidadas de “políticas”, o Governo assume que não quer governar de acordo com a CRP, fingindo que não sabe – nem escutando assessores, Secretários de Estado e Ministros peritos em direito constitucional –, e envolve, naturalmente com acordo prévio, o PR.

Fica então aquele órgão de soberania sediado em Belém destinado a requerer a fiscalização preventiva de diplomas, não por ter a convicção de que os mesmos sejam inconstitucionais, mas para colaborar com o Governo na sua convicção de que o peso do incumprimento, o peso da violação do direito e da separação de poderes, deve ser colocado no TC.

Pior: o ónus.

Deputada do PS

Sugerir correcção
Comentar