Instituto de Avaliação aceita resposta alternativa no exame de Português

Não reconhece erro, mas põe fim à polémica.

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Paulo Pimenta

Quem escreveu no exame de Português do secundário (639) que o acto ilocutório da pergunta 2.3 do II grupo era "compromissivo" ganha o meio valor. Quem disse que ele era "assertivo", também. Não porque o Institituto de Avaliação Educacional (IAVE) considere que a segunda resposta está correcta, mas por admitir que "a matéria não reúne consenso alargado" na comunidade académica.

O IAVE não reconhece que exista um erro nos critérios de correcção do exame de Português, mas vai aceitar como certa a resposta que, de acordo com as associações nacionais de Professores de Português (APP) e de Linguística, é a única correcta. Foi a solução encontrada para pôr fim à polémica que se arrasta desde quinta-feira sobre uma questão que vale meio valor em 20 para os alunos do secundário.

Para a APP, a decisão foi "a melhor solução" encontrada, diz a presidente Edviges Ferreira. Já para Sónia Rodrigues, da APL, a decisão "é uma boa notícia", embora tenha a certeza que a resposta correcta é “acto ilocutório assertivo” e não “compromissivo”.

Em causa está uma pergunta sobre o “funcionamento da língua” e o pedido feito aos alunos para que classificassem o acto ilocutório presente numa determinada frase. Segundo os critérios de correcção publicados no próprio dia do exame pelo IAVE, os alunos deveriam ter escrito que o acto ilocutório era “compromissivo”, mas a Associação de Professores de Português e a Associação Portuguesa de Linguistas defenderam que aqueles estavam errados e que a única resposta correcta seria “assertivo”.

O IAVE, que desde o início mantém que não há qualquer erro, também não cede agora na informação divulgada esta segunda-feira na sua página na Internet e já enviada aos professores classificadores. Ali, insiste que "a interpretação do acto ilocutório realizado através do enunciado citado no item” “em caso algum” “pode ser analisado sem o contexto do suporte textual em que se insere” e conclui que, assim sendo, “apenas se admite como resposta correcta a apresentada nos critérios de classificação”.

A validação de uma resposta diferente é justificada com o facto de as “fundamentações que sustentam” os pareceres entretanto pedidos "a outros especialistas independentes” mostrarem que aquela é uma “matéria que não reúne um consenso alargado entre os membros da comunidade académica”. “Assim, de modo a salvaguardar os interesses dos alunos e a garantir a equidade no processo de classificação, decidiu-se aceitar também a resposta «(acto ilocutório) assertivo», concede o IAVE.

No texto de Lídia Jorge sobre Eça de Queirós, pode ler-se: “É por isso que, para além do culto que a obra de Eça legitimamente merece, por mérito próprio e grandeza genuína, se deve reconhecer, para sermos justos, que muita da admiração totalitária que Eça desencadeia nasce porventura duma espécie de preguiça e lentidão em entender, ainda nos nossos dias, a linguagem diferente daqueles que lhe sucederam. O que não parece vir a propósito, embora venha. Como um dia veremos."

De acordo com a nova terminologia linguística, os actos ilocutórios dizem respeito às acções que se realizam através do simples facto de se dizer algo, numa determinada situação de comunicação, sob certas condições e com determinadas intenções, explicam as gramáticas.

“De uma maneira simples, podemos dizer que um acto ilocutório compromissivo tem como característica o facto de quem fala se comprometer a si próprio a fazer alguma coisa – pode ser uma promessa, um juramento, um compromisso”, explicou na altura Sónia Rodrigues, representante da APL no IAVE. Na sua opinião, “é objectivo que não é esse o caso da afirmação de Lídia Jorge, que não se compromete seja ao que for”.

“Podemos considerar que se trata de uma previsão, da abertura de uma possibilidade e é sem dúvida um acto ilocutório assertivo”, defendeu a especialista. Isto, explicou, na medida em que “o locutor faz uma afirmação que exprime uma convicção e que representa um valor de verdade e de crença”. “É como se alguém dissesse: “Um dia os portugueses vão acordar” – naturalmente não está a comprometer-se a fazer com que isso aconteça, mas a manifestar a crença de que isso se vai verificar”, exemplificou.

Outro especialista ouvido pelo PÚBLICO, Adriano Duarte Rodrigues, de Teoria da Comunicação e Pragmática e professor de mestrado da Universidade Nova de Lisboa, disse admitir que em determinadas circunstâncias o acto ilocutório pudesse ser classificado das duas formas. Admitindo que a questão é passível de “deixar um adulto perplexo", Adriano Duarte Rodrigues preferiu sublinhar que "colocá-la num exame nacional do secundário, para mais sem pedido de justificação que permitisse verificar a interpretação do aluno”, foi “um imenso disparate".

Na nota publicada esta segunda-feira o IAVE informa que que a chave de resposta – “acto ilocutório compromissivo” – corresponde a uma interpretação do texto validada pelos especialistas em Linguística que colaboram com a equipa responsável pela elaboração da prova” que, novamente consultados, “reiteraram os pareceres dados”. 

Não se refere a outra questão polémica, mas influencia na resposta dos alunos, segundo a APL. O facto de as últimas duas frases do texto em análise poderem não pertencer a Lídia Jorge, embora estejam no texto original publicado na revista Camões.

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