Celebrando o modesto conceito de democracia

Será este modesto conceito de democracia – imperfeito, inacabado, e por isso aberto à mudança sem violência – que estará em debate no Estoril

Começa esta tarde a 23.ª edição do Estoril Political Forum, um encontro internacional de estudos políticos, este ano dedicado à Terceira Vaga de Democratização mundial.

O termo "Terceira Vaga de Democratização" foi introduzido em 1990 pelo politólogo de Harvard, Samuel P. Huntington, num livro com aquele título. Inicialmente controverso, o conceito tornou-se gradualmente consensual entre os estudiosos das transições à democracia. Designa o processo de democratização que terá sido iniciado pela revolução portuguesa de Abril de 1974, na sequência da qual mais de 30 países, na Europa, América Latina e Ásia, transitaram à democracia. Huntington argumentou que a queda do comunismo na Europa Central e de Leste, a partir de 1989, constituiu uma segunda fase da vaga de democratização iniciada pelo 25 de Abril português.

Portugal tem por isso um lugar muito honroso nesta interpretação de Huntington, hoje genericamente aceite. Talvez por isso mesmo, o Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica – uma das entidades que promove o Estoril Political Fórum – tem promovido este ano diversas iniciativas sobre a democracia no mundo, de que procurei dar conta neste espaço.

Em Fevereiro, a Palestra Anual Alexis de Tocqueville foi proferida por Marc Plattner, co-director do distinto Journal of Democracy, sobre "A Era das Transições Democráticas". Em Março, Larry Diamond, professor na Universidade de Stanford e co-director com Marc Plattner do Journal of Democracy, falou numa simulação da Cimeira das Democracias, com alunos do ensino secundário.

Em Abril, conjuntamente com o IPRI-UNL, o IEP-UCP promoveu um colóquio sobre a Constituição portuguesa de 1975. A 6 de Novembro próximo, também com o IPRI-UNL, terá lugar outro colóquio, desta vez inteiramente dedicado à queda do Muro de Berlim.

Pode parecer um pouco bizarra esta insistência no tema da democracia – especialmente quando se avolumam as críticas aos defeitos, reais ou imaginários, dos sistemas democráticos europeus e ocidentais. Seria talvez útil recordar que esta insistência não significa que as democracias ocidentais sejam consideradas como perfeitas ou isentas de críticas. Talvez até pelo contrário.

Como disse Winston Churchill, a democracia é apenas o pior regime, com excepção de todos os outros. Como argumentou Karl Popper, a principal virtude da democracia é que precisamente não pretende ser um regime perfeito – e por isso está sempre aberta à crítica, à variedade de opiniões, e à mudança gradual sem violência. A principal virtude da democracia, ainda segundo Karl Popper, é de certa forma bastante modesta: permite-nos mudar de governo, através de eleições livres e sem violência.

Parafraseando Isaiah Berlin, numa frase famosa sobre a liberdade, a democracia é democracia, "não é igualdade, nem equidade, nem justiça, nem felicidade humana, nem uma consciência tranquila".

Há 40 anos, logo após a revolução do 25 de Abril, nós, portugueses, aprendemos a perceber este significado modesto, mas decisivo, da democracia – de que nos falaram Winston Churchill, Karl Popper e Isaiah Berlin. Foi a defesa dessa modesta democracia que nos salvou de uma nova ditadura, nessa altura ensaiada pelos comunistas, em nome da igualdade.

Foi também em defesa desse conceito modesto de democracia que os soldados americanos, britânicos e canadianos desembarcaram na Normandia no dia 6 de Junho de 1944, há precisamente 70 anos, para libertar a Europa da tirania nazi. Foi também em defesa desse conceito modesto de democracia que, em 1989, há precisamente 25 anos, as populações da Polónia, da então Checoslováquia, da Hungria e da então Alemanha de Leste celebraram nas ruas a queda Muro de Berlim, símbolo da tirania comunista na Europa Central e de Leste. E foi também porque defendia esse conceito modesto de democracia que a população pacífica e indefesa da Praça Tienanmen foi barbaramente reprimida – também há precisamente 25 anos.

Julgo que será este modesto conceito de democracia – imperfeito, inacabado, e por isso aberto à mudança sem violência – que estará em debate no Estoril Political Forum, que decorre de hoje a quarta-feira no Hotel Palácio do Estoril. Sintomaticamente, esse foi também o hotel dos Aliados anglo-americanos durante a II Guerra Mundial.

P.S.: Ao concluir este artigo, chegou-me a triste notícia da morte de Miguel Gaspar, director-adjunto deste jornal. A memória da sua personalidade generosa e entusiasta, bem como do seu empenho na causa da democracia, perdurarão entre nós.

Sugerir correcção
Comentar