O que une e o que separa Costa de Seguro

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Os resultados das eleições europeias foram decisivos para o avanço de Costa Enric Vives-Rubio

Na luta pela liderança do PS que se desenrola entre o secretário-geral, António José Seguro, e o seu desafiante, António Costa, o que está realmente em causa não é uma clivagem no plano programático e muito menos de nível ideológico. “É absolutamente essencial perceber que não está em causa uma refundação programática do PS, nem uma ruptura de valores, nem uma redefinição ideológica”, explica ao PÚBLICO Porfírio Silva militante do partido que está a trabalhar na moção de António Costa.

Este filósofo e investigador do Instituto de Ciências e Robótica que foi candidato a secretário-geral da JS nos anos 80 do século XX, assume mesmo em relação ao que será a proposta de António Costa para o país: “Mesmo em termos de governação não poderemos romper com o que está, o António tem noção e tem demonstrado na sua actuação que sabe e defende a continuidade, vivemos tempos em que não é permitido uma solução qualquer que rompa.”

Se nada parece dividir programática e ideologicamente Seguro e Costa, o que é facto é que ambos têm estilos diferentes dentro do PS. Na sua forma discreta de actuar, na sua apetência para se interessar pelos meandros da organização e do aparelho partidário, na sua atitude de preocupação social, se bem que não se assuma como católico, Seguro faz lembrar a escola de António Guterres. Já Costa assume-se como um político de debate e de confronto directo, mais na linha da escola que é a sua, a de Jorge Sampaio, e também numa tradição anterior: a do líder fundador Mário Soares, que agora o apoia.

Diferença de estilo…
Assumindo que há uma diferença de estilos, Porfírio Silva esclarece que “o que está em causa é uma questão de ambição e método, um líder tem de ser capaz de mobilizar as forças que estão no sistema e outras que não estão”. E prossegue defendendo que “hoje as pessoas querem discutir, é preciso dar outra activação à cidadania, o PS pode fazer isso”. O responsável pela moção de Costa considera que “a questão é a de saber como o PS consegue colocar-se como a força capaz de agregar”, acrescentando que para o conseguir a “proposta tem de ser mais ambiciosa e alargada”.

Surge como consensual a ideia de que não há separação político-ideológica entre os dois. João Vargas, politólogo da Universidade de Aveiro e membro do gabinete de Seguro, é peremptório a afirmar: “Não existem entre os dois grandes diferenças. Podem divergir, sim, sobre como se faz política e como deve funcionar um partido."

Estas diferenças poderão passar, segundo Vargas, pelo modo como entendem a cidadania e a relação dos partidos com a sociedade. “Em relação à cidadania, Seguro tem dito que a 25 de Maio os portugueses demonstraram o desinteresse pelos partidos, com abstenção e voto em Marinho e Pinto. Acresce que em 2004 os índices de confiança dos portugueses na política eram de 25% e agora são de 8%, Seguro sempre disse que queria fazer política perto das pessoas e as primárias são a resposta a isso.”
 José Carlos Zorrinho, actual eurodeputado e coordenador do grupo parlamentar europeu e que preside ao Laboratório de Ideias e Propostas para Portugal (LIPP) e coordenou as conferências Novo Rumo, corrobora: “Concordo que são iguais. Mas faço um ponto de reserva, não sei se António Costa vai ser uma surpresa e vai trazer novas ideias e diferentes.”

Por agora, sublinha que “muitas das pessoas que estão com Costa colaboraram no LIPP e no Novo Rumo” – por exemplo, “Maria Manuel Leitão Marques, que faz a Agenda para a próxima Década de Costa, trabalhou no Novo Rumo”. E, olhando para o percurso de ambos, acrescenta: “Em boa verdade, mesmo quando fui membro do secretariado nacional com os dois, na liderança de António Guterres, nunca senti diferenças entre eles.” E precisa que com Costa só se cruzou desde então, quando ia “a Conselho de Ministros de José Sócrates como responsável pela Estratégia de Lisboa”.

Zorrinho prossegue frisando que a única diferença que estabelece entre ambos é que “Seguro é mais concretizador e Costa mais teorizador” e, voltando a lembrar o passado, afirma: “Quando Guterres publicou A nossa via, antes de Tony Blair, na altura chegámos a reivindicar a Terceira Via, nessa altura, em que nos posicionámos perante a globalização e iniciámos relações com Bill Clinton, não vi diferença entre os dois.”

… e de cultura
Já José Manuel dos Santos, antigo assessor dos presidentes da República Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, que é um dos principais conselheiros de António Costa, acrescenta: “Há programas comuns, mas a mesma partitura cantada pela Maria Callas ou por Natália Andrade é diferente, depende do talento de quem canta.”

José Manuel dos Santos opta por frisar que há diferenças entre ambos que interferem na sua atitude perante a política e na relação com os cidadãos. “Independentemente das propostas, Costa tem um discurso mais nítido e afirmativo do que é a social-democracia e dos seus valores. E é a partir dessa nitidez que está disponível para a negociação, para fazer consensos e pactos. É esta nitidez que está na base da sua ideia de que é com um bom resultado que se negoceia melhor, de que o PS precisa de uma maioria absoluta para negociar acordos de governação.”

O antigo assessor presidencial sublinha que, “embora Costa não seja radical nem extremista, há nele a afirmação mais clara de que é e do que deve ser o PS, na fidelidade ao que são os seus grandes e permanentes valores”. E explica, estabelecendo a diferença entre os dois adversários pela liderança: “Costa culturalmente é de esquerda. Pela cultura, pelo ambiente familiar, tem uma cultura de esquerda. Há no seu discurso, no comportamento e na atitude, sinais de uma cultura de esquerda. No Seguro não há sinais de cultura de esquerda, tem um discurso mais neutro, que leva as pessoas a pensar que é menos denso e menos profundo.”

É o perfil cultural de esquerda que leva Costa a ser partidário de um regresso do primado da política, que tem estado subjugada aos ditames da economia e da tecnocracia. “No fundo, Costa acha que tem de haver uma política europeia de esquerda com a mesma capacidade de afirmação com que a direita tem conseguido afirmar e pôr em prática a sua política”, explica José Manuel dos Santos.

E é esse perfil cultural de esquerda que, segundo o antigo assessor presidencial, levou Costa a rejeitar a diminuição do número de deputados de 230 para 180, que é proposta por Seguro. “Costa explicou que não se pode administrativamente reduzir os partidos à esquerda do PS, há que fazer esse combate politicamente”, afirma José Manuel dos Santos, para quem foi também por uma questão de cultura política de esquerda que Costa elogiou dois anteriores primeiros-ministros do PS.

“Costa citou José Sócrates e António Guterres. Várias pessoas podem ter achado que não lhe traz vantagens. No entanto, Costa considera que assumir a história do partido é uma obrigação, um dever. É preciso reconhecer que quer o impulso reformista do primeiro Governo de Sócrates, quer as políticas de desenvolvimento social de Guterres são um património de que o partido se deve orgulhar e recuperar. Há aqui uma afirmação ideológica e política sobre a táctica mediática e eleitoral.”

O método de Costa
Por sua vez, Porfírio Silva insiste em salientar aquilo que vê como o método de António Costa. “O que é muito característico em António Costa é o método, a sua capacidade de identificar o problema e de fazer um debate público estruturado, ouvindo técnicos, estudando e debatendo com tempo e de forma alargada.” E, a título de exemplo, lembra que esse método “foi visível na forma como ele resolveu a reforma administrativa em Lisboa”.

Porfírio Silva defende ainda que Costa tem condições de usar esse método em novas funções. “As pessoas têm a mania que ele só percebe de política interna, mas ele não pensou a Europa apenas no tempo que foi eurodeputado, está no Comité das Regiões, onde é considerado e intervém”, diz o apoiante de Costa. Adverte, contudo: “Ele não tem nenhuma arma secreta na manga, a Europa é um método negocial contínuo. Costa tem procurado mostrar que o euro tem efeitos assimétricos nos povos que têm de ser corrigidos, até porque não é justo que uma empresa portuguesa tenha mais dificuldade em encontrar financiamento e pague juros mais altos do que uma empresa alemã.”

Salientando a necessidade de o PS relançar a discussão sobre a União Europeia, Porfírio Silva sublinha: “A crise mudou o debate sobre Europa, hoje há uma dúvida sobre o que se está a fazer na Europa, para que serve a Europa. Há um consenso demasiado simplista, há que levar a discussão mais fundo.”

Sobre o futuro da União Europeia Zorrinho considera que não há divergência entre Seguro e Costa. Ainda que haja “agora uma pequena minoria do PS que está contra o Tratado Orçamental e que apoia Costa, isso não significa nada". "Temos todos a mesma opinião de que o tratado é mau e de que o mudaremos quando pudermos”, conclui.

A coerência de Seguro
Mas se Costa tem método, Seguro tem coerência. João Vargas entende que essa é “uma das maiores qualidades” do secretário-geral: “Sobre a questão europeia, por exemplo, o que António Costa disse [na sua declaração de propositura] no Porto é o que Seguro diz, as grandes questões sobre a Europa são as mesmas em Costa e Seguro.” “A coerência de Seguro é que ele dizia em 2011 o mesmo que agora em relação ao papel mais activo do Banco Central Europeu. E pediu mais tempo para a dívida e a sua renegociação em 2011. Basta ler as moções de 2011 e 2013. Ele dizia isso nas reuniões dos líderes europeus. Os seus pares europeus reconhecem o pensamento político de Seguro”, faz notar João Vargas.

Vargas acrescenta que também Seguro defende que “a União Europeia tem de ter poder sobre o BCE, já nas crónicas no Expresso defendia muito bem as questões europeias e o primado da política sobre a economia”. E conclui: “Seguro é radical nas questões do modelo social europeu e que elas têm de estar mais presentes e serem relevantes na União Europeia. Seguro é mais à esquerda do que outros líderes socialistas na Europa”.

Abordando o que é o corpo doutrinário da social-democracia, João Vargas também não vê diferenças entre Seguro e Costa. Apontando exemplos, lembra que Seguro “tem dito que a crise faz aumentar o fosso entre ricos e pobres e não se pode deixar ninguém para trás”. Princípios que estão “plasmados nas conferências Novo Rumo, em que os temas mais trabalhados são as áreas da justiça social, da segurança social e da protecção social”. E precisa: “Tivemos conferências dedicadas a essas questões, onde foi importante a participação de apoiantes de Costa, como Pedro Marques, e personalidades de fora do partido, como o académico Carlos Farinha Rodrigues.”

Também Zorrinho considera que “Seguro é um social-democrata puro, não teve sequer interesse pelo neoliberalismo, nem sente apelo pela social-democracia nacionalista, nem pelo socialismo em velocidade de Renzi”. E frisa que o actual secretário-geral “é um social-democrata profundo, que acredita nos valores da justiça e da tolerância”. Como demonstração disso diz que no contrato de confiança”, o qual reúne 80 medidas para a governação, “está incluído o princípio do acesso de um cidadão a uma vida com dignidade e de que há mínimos de cidadania e de Estado social para todos, que deve ser garantido com um mínimo de rendimento”.

O eurodeputado explica ainda que Seguro “não é um político mediático, não diz o que as pessoas querem ouvir, só diz o que pode”. Como traço distintivo de Seguro, Zorrinho aponta: “Aquilo que é a marca central de Seguro é o seu perfil ético. Não é mediático, porque é muito ético. É a sua matriz, junto com o rigor e a solidez de pensamento, estuda tudo.” Explica que Seguro “não quer propor nada sem estudar, sem fazer as contas, não propõe nem permite que se aprove nada que não se possa fazer”. E remata: “Há uma corrente política que diz que as boas histórias podem mudar a realidade, mas para ele, se não reflectir a realidade, não é história.”

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