“Vai haver sempre cinema e cada vez mais fora de portas”

O futuro do cinema iraniano vai voltar a passar pela rua? Cada vez mais, acreditam alguns realizadores.

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Reza Mirkarimi, realizador de A Cube of Sugar (2011) José Maria Ferreira

No cinema iraniano há paisagens de deixar mudos poetas e cortar a respiração a comuns mortais – tantas, tantas, basta O Sabor da Cereja, de Abbas Kiarostami, ou até o céu de O Balão Branco, de Jafar Panahi (maior nome da chamada nova vaga), para termos a certeza disso. Mas no cinema iraniano há mais dentro do que fora de portas e isso faz tanto, tanto sentido.

Portas que podem ser de casa ou de carros-táxi, como em Dez, outra vez Kiarostami. Dez personagens e as suas vidas e nelas a história do Irão a passar à nossa frente enquanto o carro-táxi percorre as labirínticas ruas de Teerão. Dez é uma súmula, poderia ser a súmula, não fosse This Is Not a Film, de Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb. Cinema iraniano no osso.

Quando os realizadores não podem fazer filmes, como Panahi, impedido pela justiça, filmam-se a si próprios, dentro de casa. Quando os realizadores iranianos não têm dinheiro para grandes orçamentos, diz, meio a sério, meio a brincar, Mohsen Gharaei, jovem realizador, 30 anos, e uma longa-metragem (Don’t be Tired), fazem das casas dos amigos plateau e põem a câmara a rodar. Quando o que é mais relevante na vida de um país se passa dentro de portas, onde saltam os hijabs (véus) com que as mulheres cobrem o cabelo na rua e onde se fala de tudo o que é preciso falar para viver, em liberdade, é natural que haja cinema dentro de portas.

“Nós estamos sempre a discutir isso”, diz Reza Mirkarimi, realizador de A Cube of Sugar (2011), entre algumas das obras mais relevantes rodadas nas últimas décadas no país. “É uma pergunta que nos fazemos a nós próprios. Parece que é por causa da situação psicológica do país. Principalmente nos anos mais recentes”, descreve, numa conversa em Lisboa. “Não é automático, mas tem sido assim.”

Durante anos, o principal censor para o cinema no Irão foi um cego. Para um regime fanático, um cego chega. Mas houve sempre cinema, tanto cinema tão belo e simples e cheio de vida. Paradoxo? Não, pelo contrário. Nos anos mais recentes foi tudo mais difícil porque os iranianos perderam o medo – só por umas semanas, no Verão de 2009 –, e saíram à rua, pondo o próprio regime em causa. Então, Panahi foi preso e fez Isto Não é um Filme sem sair da sala.

Quando os tempos são mais difíceis, vive-se dentro de portas, a vida, tal como ela é. É isso This Is Not a Film, Dez, ou até Gold and Copper (de Homayoun Asadian, exibido a semana passada na Gulbenkian), a história de um estudante de Teologia cuja doença da mulher (esclerose múltipla) o leva a questionar mesmo tudo – e a um segundo amor, a uma segunda mulher, que a primeira não poderá suportar.

Don’t be Tired passa-se fora de portas, como algum do melhor cinema iraniano do passado e algum do cinema iraniano do presente. Como será no futuro? “Tenho a certeza que já este ano e nos próximos vamos ter outra perspectiva”, diz Mirkarimi.

Gharaei, que acaba de ver o seu segundo projecto chumbado pelo Ministério da Orientação Islâmica, fez Don’t be Tired fora de portas: há um autocarro, passageiros e uma viagem, ninguém vai ficar cansado. Ele promete não desistir. Um projecto na gaveta, o próximo será como ele quer. Mirkarimi e Gharaei não desistem. Panahi também não. Os dois realizadores que estiveram em Lisboa, garantem: “Vai haver sempre cinema e cada vez mais fora de portas.”

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