Espólio de Alcino Soutinho doado à Fundação Marques da Silva

Carreira arquitectónica de mais de meio século fica documentada em 26 maquetas e 260 projectos, mas também numa biblioteca pessoal de milhar e meio de livros e outras publicações.

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Paulo Ricca/Arquivo

A Fundação Marques da Silva (FMS) assinalou esta quinta-feira, na sua sede no Porto, a recepção do espólio de Alcino Soutinho com a assinatura de um contrato com a família do arquitecto que morreu no passado dia 24 de Novembro.

Através deste contrato, o centro de documentação instituído pela Universidade do Porto a partir dos espólios da família Marques da Silva (o celebrado autor da Estação de São Bento e do Teatro São João, mas também a sua filha, Maria José, e o genro, David Moreira da Silva) acolhe um arquivo que testemunha praticamente toda a obra de Alcino Soutinho (1930-2013) desenvolvida durante mais de meio século de carreira (1958-2012). É constituído por um conjunto de 26 maquetas e 260 projectos documentados em desenhos e outras peças relativas à actividade arquitectónica, mas também de design e de mobiliário. O arquivo inclui ainda cerca de milhar e meio de livros e de periódicos sobre arquitectura e disciplinas afins, mas também sobre outros temas, que permitirão entender a obra do arquitecto que projectou os paços do concelho de Matosinhos.

“Alcino Soutinho é uma figura da Escola do Porto e, com o seu espólio, a FMS vai poder alargar o seu acervo e contribuir para conhecer melhor o processo da arquitectura na cidade, no Norte e em Portugal”, disse ao PÚBLICO a presidente da fundação, Maria de Lurdes Correia Fernandes, lembrando que a instituição tem já à sua guarda os arquivos documentais de Fernando Távora (1923-2005), e está a tratar da integração dos de João Queirós (1892-1982), o arquitecto do Café Majestic, e de José Carlos Loureiro (n. 1925), autor do Pavilhão Rosa Mota e ainda em actividade.

À imagem do que tem vindo a fazer relativamente às obras da família Marques da Silva e de Távora, a fundação vai agora ocupar-se da salvaguarda, estudo e divulgação do arquivo de Alcino Soutinho, disponibilizando-o aos investigadores interessados. O lançamento de edições a partir do espólio e desses estudos está também no horizonte, mas Maria de Lurdes Correia Fernandes diz ser ainda cedo para anunciar qualquer título, lembrando que a função prioritária "é apoiar os investigadores”.

“O nosso é um trabalho discreto mas muito sólido, sem megalomanias, feito a partir dos recursos próprios, ainda que relativamente modestos, de origem totalmente privada, mas que nos têm permitido crescer sustentadamente”, diz a presidente da FMS, não escondendo o objectivo – “a missão” – de a fundação poder vir a dar origem ao Museu de Arquitectura do Porto.


Os arquitectos que constroem

Na cerimónia de assinatura do contrato de doação, a obra de Alcino Soutinho foi evocada pelo arquitecto, professor, crítico (e colaborador do PÚBLICO) Jorge Figueira. Atribuindo “um grande simbolismo” à doação, Figueira explicou que gosta de falar sobre Alcino Soutinho, “porque há actualmente uma certa antipatia pela forma arquitectónica, pelos arquitectos que constroem, pelos edifícios, em favor do processo, da in-formalidade e do activismo social”.

“A sua obra é um enorme prazer, particularmente para quem, como eu, trabalha com a teoria e com a história. Porque mesmo com um certo carácter lacónico e contenção, um decoro que é típico no Porto, Soutinho deixa escapar preferências, segue caminhos que não são óbvios. A sua competência técnica e artística garante-nos a tradução eficaz dessas opções. E sem estas escapadelas, a arquitectura portuguesa seria bem mais pobre”, acrescentou Jorge Figueira, detendo-se, depois, na análise de alguns dos projectos mais conhecidos do arquitecto nascido em Gaia, como a Pousada do Castelo em Vila Nova de Cerveira (que lhe valeria, em 1982, o Prémio Europa Nostra), os paços do concelho de Matosinhos e o conjunto de edifícios de habitação no Porto, Gaia e Matosinhos, cidades onde Soutinho construiu com mais frequência.

“Alcino Soutinho é capaz do mesmo rigor estrutural e construtivo em diversas facetas estilísticas, que foram testando a passagem do tempo. A prova da sua sabedoria está no modo como os seus edifícios resistem, estrutural e construtivamente, à passagem do tempo. Era talvez um arquitecto ecléctico mas não no modo superficial, meramente estilístico, a que geralmente esse conceito é associado”, concluiu Jorge Figueira. 

 

Notícia corrigida: na citação da presidente da Fundação Marques da Silva, Maria de Lurdes Correia Fernandes, em vez de “o nosso é um trabalho discreto, mas muito sólido, sem megalomanias, feito a partir dos recursos, modestos, que nos são atribuídos pela Universidade do Porto”, a formulação correcta é “a partir dos recursos próprios, ainda que relativamente modestos, de origem totalmente privada”. 

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