Nos primeiros quatro meses deste ano registaram-se 294 suicídios

São os primeiros dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito que reúne dados obtidos pelo Ministério Público, pelas forças policiais, pelos hospitais, centros de saúde e serviços de medicina legal.

Foto
Portugal era, até agora, um dos países na União Europeia com maior número de óbitos com causa por identificar Oxana Ianin

Nos primeiros quatro meses deste ano, Portugal registou 294 suicídios. Quem mais escolhe morrer são os maiores de 75 anos, amiúde acometidos de isolamento, depressões, doenças crónicas incapacitantes. Seguem-se as pessoas em idade activa, mas menos apetecidas pelos empregadores: têm 45 a 64 anos e o seu estado não será sempre alheio à crise.

Não são dados comparáveis, sublinha Álvaro de Carvalho, coordenador do Programa Nacional para a Saúde Mental. O Sistema de Informação dos Certificados de Óbito – que integra elementos obtidos pelo Ministério Público, pelas forças policiais, pelos hospitais e centros de saúde e serviços de medicina legal – só começou a funcionar em pleno no início do ano.

Para fazer comparações, explica, é preciso analisar períodos mais alargados. Para já, o que se consegue é uma espécie de radiografia. E essa radiografia mostra que o distrito de Lisboa é o que apresenta maior incidência de suicídios, seguido, de longe, por Setúbal, Leiria, Porto, Faro e Santarém. O Alentejo, a região mais conotada com esta prática, nem aparece. Talvez porque a tabela é feita números absolutos. 

Portugal era até agora um dos países na União Europeia com maior número de óbitos com causa por identificar. Muitos tinham atrás um suicídio, que importaria esconder por religiões como a católica, que até há pouco recusava serviço fúnebre a suicidas, ou de seguro de vida, que não abrange tal opção.

Mesmo pecando por defeito, os números do Instituto de Medicina Legal, revelavam uma subida ligeira nos anos mais recentes: contabilizou 1206 casos em 2011, que viu diminuir em 2012 (1057) e tornar a aumentar em 2013 (1082). Não o suficiente para o país sair dos 10 suicídios por cada 100 mil habitantes. Desde 2011 registaram-se mais suicídios do que mortes na estrada.

Segundo um estudo publicado pela revista The British Journal of Psychiatry, há uma relação entre suicídio e crise económica: "Desde que a recessão começou, em 2007, houve pelo menos mais 10 mil suicídios do que seria esperado na União Europeia, no Canadá e nos Estados Unidos".

Investigadores da Universidade de Oxford e da Escola de Londres de Higiene e Medicina debruçaram-se sobre os Estados Unidos, o Canadá e 24 países da União Europeia e perceberam que a Europa registou um aumento de 7950 casos além do esperado, os EUA de 4750 e o Canadá de 240.

Elencam o desemprego, o endividamento das famílias e a perda da habitação como factores de risco. E revelam que três países escapam a esta tendência: Suécia, Finlândia e Áustria. Em declarações à BBC, um dos autores do estudo, Aaron Reeves, explicou que esses “investem em programas que ajudam as pessoas a voltar ao trabalho, tais como formação, aconselhamento e salários subsidiados”. Nalguns países, como Portugal, notaram resiliência. 

Parece-lhe que é tempo dos políticos se perguntarem se estas mortes não podiam ser evitadas. "Há sempre escolhas difíceis a fazer durante uma recessão, mas estes dados revelam uma iminente crise de saúde mental na Europa e na América do Norte, comentou. “Nestes tempos difíceis é fundamental encontrar formas de proteger os mais vulneráveis e os que poderão ser mais afectados.”

Álvaro de Carvalho, que coordena o Plano de Prevenção da Depressão e do Suicídio, não podia estar mais de acordo. Sempre disse que "o sector da saúde não pode alcançar boa saúde mental sozinho”.

A taxa de desemprego era de 9,5% em 2009, antes dos três programas de estabilidade e crescimento (PEC) e do memorando de entendimento assinado com a troika – a Comissão Europeia (CE), o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Alcançou os 16,3% no final de 2013 e está agora nos 15,1%, muito por efeito da emigração, que atingiu níveis comparáveis aos anos 1960.

O desemprego, como a falência, admite Álvaro Carvalho, pode desencadear crise emocional, ansiedade, depressão. “Se a pessoa não tem trabalho, fica sem crédito, não pode pagar a casa, de pouco lhe servirá tomar depressivos ou fazer psicoterapia". Isso "pode ajudar a reduzir a ansiedade, a pensar, a encontrar alternativas”, mas não ajuda a pôr comida na mesa nem a pagar a prestação ao banco. Mais eficaz será ter acesso a apoios sociais, a formação profissional ou a emprego.

As prestações sociais têm sido alvo de sucessivos cortes desde Agosto de 2010. Já no período do resgate, Portugal foi um dos países da União Europeia que mais reduziram a despesa social.

O suicídio tende a estar associado a depressão e ansiedade. Ora, o consumo de antidepressivos tem aumentado em toda a Europa. Em Portugal, mais do que triplicou desde 2000 até 2013. Nos primeiros sete meses do ano passado, por cá as vendas de antidepressivos subiram 5% e as de ansiolíticos 2%. 

Sugerir correcção
Comentar