Bloquear, bater contra uma parede, chegar a um beco sem saída...

Bloquear, bater contra uma parede, chegar a um beco sem saída, empancar, cair num pântano, enterrar-se em areia movediça. etc.,etc.

Qual destas palavras é que não se percebe? É assim que está vida política portuguesa. E não apenas a vida política, também a vida económica e a vida financeira. Pode haver arranques, mas são débeis. Pode haver recuos, mas só confirmam o que já se sabia.

Mesmo as estatísticas de que o governo (e a troika e o FMI e Bruxelas) gostam estão lânguidas e voláteis. Sobem e descem. Exportações, importações, por exemplo. As estatísticas de que o governo não gosta, essas continuam a dar os mesmos péssimos sinais. O aumento drásticos dos portugueses em privação severa, por exemplo. Das primeiras, se sobem uma décima, há festa. As segundas, nunca são citadas, mesmo que subam ou desçam muito. É como se não existissem, sobre elas cai um manto de silêncio. Quanto aos juros, estão magníficos, seja para Portugal, seja para a mal comportada Grécia. Só uma coisa se move e é no plano social. A passagem do tempo gera um único dinamismo: empobrecer.

A linguagem do poder, tão eivada de propaganda e marketing, construída pela força do poder e do dinheiro, por batalhões de assessores de imprensa, agências de comunicação e repetidores habituais nos media, é errática e confusa. Uma vez quer-se dar a entender que o relógio do Doomsday parou na sede do CDS, outras vezes o génio do tempo que está dentro do relógio vem cá fora dizer: “pode haver outro resgate”, “os objectivos não vão ser cumpridos”, e um dedo gigante tipo Zepelim aponta para o Tribunal Constitucional. Os repetidores que anunciaram a boa nova do “milagre” na semana passada, - “há boas notícias para os portugueses” - na semana seguinte tem que vir queixar-se da incompetente máquina de “comunicação governamental”, que os fez dizer uma coisa na semana passada para vir esta semana com “dramatizações” que a contestam.

O governo de há muito tempo que está em estado de letargia, seja porque não se entende, seja porque quando se reúne nada está preparado, seja porque está à espera de uma decisão da troika, seja porque tem dois primeiros-ministros que se “consultam” in extremis, mas pouco se falam, seja porque muitos ministros já há muito tempo que deixaram de acreditar que “isto” dê bom resultado, seja porque, com excepção de cortes, agora chamados “poupanças”, nada está na agenda governativa. O Ministro Poiares, que tem a propaganda como pelouro que herdou de Relvas, tem a chave do tesouro de guerra, os fundos comunitários, mas burocracia a mais, bocas a mais, promessas a mais, também parece empancado, a regra geral da governação. Mas, verdade seja dita, onde há dinheiro há sempre muito menos bloqueios e uma multidão diligente preparada para gastá-lo. Lembram-se da Tecnoforma e dos cursos para técnicos de aeroportos?

Só uma coisa move tudo: garantir que há cortes na função pública, nas reformas e pensões. Tivesse o governo o mesmo tipo de tenacidade que mostra nos cortes para renegociar as PPPs ou os contratos swap, que se teriam poupado muitos milhões, ainda por cima abusivos. Para cortar, ou seja “poupar”, há uma determinação sem paralelo com qualquer outro acto de governação, mesmo legislando-se contra a Constituição de forma reiterada, uma, duas, três vezes e agora anuncia-se uma quarta, os “cortes Sócrates” que eram para ser temporários e agora voltam mais uma vez como “temporários” redivididos até à reposição plena em 2019, ou seja um governo depois. No Porto, havia várias coisas temporárias, a estação da Trindade, o túnel da Ribeira. Ainda lá estão, muitas décadas depois, alive and kicking.

Por detrás disto tudo está a pior das situações: aconteça o que acontecer, diga-se o que se disser, ninguém liga nenhuma. O que diz Passos é diferente do que diz Portas. O que diz Portas, não é o mesmo que diz Passos. O que diz Pires de Lima não é o que diz Maria Luís, nem Passos. Cavaco Silva dá no 10 de Junho uma bofetada a Aguiar Branco e as pessoas, de tão ocupadas com os incidentes do dia, nem dão por ela. A inconcebível entrevista de Teresa Leal Coelho, cuja substância se resume na queixa de que “tivemos nós tanto cuidado em escolher juízes partidarizados pró-PSD da linha Passos, e eles chegam lá e são desleais a quem os nomeou” gerou só um pequeno burburinho parlamentar. Para a próxima vez, como disse Passos Coelho, vamos ter muito mais cuidado, ou seja escolher só membros do actual Grupo parlamentar do PSD.

O PS está, como se sabe, castrado durante três meses. Seguro pensa ficar feito de pedra e cal com uma série de truques e dilações, e com uns estatutos preparados para bloquear qualquer contestação à sua figura. Há Congresso extraordinário, mas não pode demiti-lo. Há “directas”, que ninguém sabe como vão ser, e escolhem apenas o “candidato a primeiro-ministro” e ele só se demite se quiser. Durante três meses, as notícias do PS serão sobre a sua luta interna que tenderá a ser cada vez mais feia, queiram ou não Seguro ou Costa. E quando houver qualquer matéria nacional para comentar, os jornalistas vão ouvir Seguro e Costa e prestar mais atenção a Costa, como é da natureza dos media.

Como é que não há bloqueio se numa sondagem a sério, as eleições, apenas 27% votou nos dois partidos do governo, nos dois sublinhe-se, e em sondagens mais precárias, mas todas coincidentes, mais de 60% dos portugueses querem Costa à frente do PS e pouco mais de 18% querem Seguro? Com este estado de opinião e voto, como é que a maioria dos portugueses se pode sentir representada pelos partidos que se reivindicam do “arco da governação”?

Como é que se desembrulha uma situação como esta? Não há milagres, até porque o material tem sempre razão e o material é mau e não vai deixar de ser mau mesmo depois das eleições. E eleições são a única coisa que pode fazer entrar algum ar fresco no quarto miasmático em que estamos enfiados.

Se a vida fosse a ideal, o PS resolveria rapidamente a sua querela interna, em vez de andar nesta necrose quotidiana para salvar Seguro e garantir meia dúzia de lugares de deputados aos seus fiéis, com elevadíssimos custos para o PS e para Portugal, e, quem fosse o líder, estaria em condições para exigir eleições antecipadas com uma voz forte. Se a vida fosse a ideal, o Presidente compreenderia que nunca vai conseguir um acordo “consensual” na actual situação de bloqueio, mas apenas perante um governo com legitimidade reforçada de origem eleitoral, seja do PSD-CDS, seja do PS. Se a vida fosse a ideal, as eleições dariam a quem as ganhasse uma maioria absoluta ou quase, para então existir força política para haver entendimentos, ou para os recusar, se eles fossem abusivos. Se a vida fosse a ideal, o PSD mudaria de liderança, mas, mais importante que tudo, deixaria para trás esta continuada traição ao seu programa, à sua génese, ao seu papel histórico e aos seus manes caseiros como Sá Carneiro. Se a vida fosse a ideal, ou o PS (mais provável) ou o PSD, manteriam um esforço de consolidação orçamental, com maior equilíbrio social nos seus custos, mas anunciariam, a partir dessa autoridade de não aceitarem défices altos, que o chamado Tratado Orçamental não pode continuar como está. E anunciariam que uma reestruturação da dívida é inevitável e trabalhariam para isso, com moderação e tenacidade. E se a vida fosse a ideal, Portugal passaria a ter outra voz na Europa, procurando aliados e novas configurações, em função de um único objectivo, o interesse nacional.

É para que a vida, mesmo não sendo a ideal, possa pelo menos ser mais sensata, equilibrada e melhor do que é hoje, que é preciso correr o risco de antecipar as eleições, num tempo bem escolhido, razoável e o mais depressa possível, ou seja, é preciso fazer alguma coisa para desbloquear este enorme pântano em que vivemos. Tem riscos? Tem todos os riscos. Mas ficar assim é pior.

Historiador

 

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