Contagem decrescente

O Governo não governa e terça armas com os moinhos de vento do Constitucional. O Presidente não preside aqui, desloca-se agora em caravana de segurança. O PS iniciou uma sabática interna litigante que se augura sanguinolenta. Onde está a solução?

O Governo entrou em contagem decrescente até próximas legislativas. Faltam apenas 16 meses para eleições, ou ainda menos se o governo as preferir antecipar. Sim, na realidade, como o próprio tem repetidamente afirmado, não é o Presidente que antecipa as eleições mas o Parlamento que provoca a antecipação, por decisão da coligação.

Durante muito tempo pensou-se que Portas estaria interessado em se separar de um cadáver insepulto, estado em que se encontrará o PSD daqui a um ano. Todavia, a táctica afoga a estratégia. O desejo obsessivo de Portas de andar de carro preto com segurança, secretárias e muitas viagens pelo mundo, não casa com o natural desejo dos seus companheiros de deixarem o partido a sobrar para um minibus, em vez de caber num táxi. Os sinais que nos chegam são de que a mais ténue esperança de recuperação económica é um bote salva-vidas para Portas. Aguentar-se-á assim até chegar à praia, mesmo que o pneumático se esvazie aos poucos e chegue já com água pela barba. Até Pires de Lima parece estar a preferir a posição de figurante à de governante. A propaganda sobre grandes investimentos cessou. Tudo se resume agora ao custo do crédito e aos fundos de Bruxelas em que ele mal tocará, por outros os assumirem. A questão social passou da tentativa de destruição do Estado Social à sua conservação em naftalina. A reforma da Segurança Social fica para próximo mandato. Anuncia-se quase um milhar de camas de cuidados continuados “para” inaugurar, quando se devia dizer “por” inaugurar, já prontas e sem financiamento para cumprir compromissos, quanto mais encargos de manutenção. Bom seria que funcionassem, se não for possível, promete-se para futuro próximo: quem não tem cão caça com gato. A reforma dos hospitais entupiu, nem começou e o que começou foi mal, como a anulação das especificidades no financiamento e o pavor de ter a Ordem dos Médicos contra o governo, se este adoptar a exclusividade de prática clínica no SNS. Um fantasma mete mais medo que um obstáculo. Este contorna-se, aquele vai sempre à nossa frente. Os úberes das farmacêuticas secaram. A Educação auto-anulou-se e Crato já perdeu o prazer da provocação. Na Agricultura, como sabemos, não é aqui que se governa, é em Bruxelas. Com Capoulas fora do Parlamento Europeu ficaremos à mercê das golpadas sinuosas (é a CAP que o reconhece). Como sempre, só nas Finanças, na intendência, se governa. Para o curto prazo, sem horizontes.

O governo perdeu a iniciativa e em termos políticos limita-se a reagir ao Tribunal Constitucional, transformado na força de bloqueio que era o Tribunal de Contas de Sousa Franco para o primeiro-ministro Cavaco Silva. Ou seja, governa-se por resposta aos estímulos externos, sem iniciativa própria. Ou quando esta existe, é desenhada para provocar reacção contra a qual o Governo encontrará um pretexto para reagir. Governar com acerto nada tem a ver com esta prática.

Daí que não surpreenda a auto-mutilação com que o Governo ameaça o País, sob a forma de atirar a toalha ao chão se mais duas propostas se revelarem inconstitucionais. Em vez de chamar Portas e Passos Coelho e atrás dos reposteiros de Belém lhes puxar as orelhas, o Presidente prefere o lamento do mal que nos virá, se ocorrer uma crise política. Entretanto, Seguro ajuda-o: propõe um muito espaçado calendário e uma autêntica prova de obstáculos para resolução da crise interna do PS. E vai ter Costa que calçar tacões de mola para superar as barreiras seguristas. Ajudado pela opinião pública nacional que parece tê-lo adoptado. Outra coisa será dentro da pista de obstáculos. O tempo vai dar para tudo, para criar barreiras tipo Potemkin, que são miragem e para impor, de repente, barreiras nunca imaginadas. Seguro acusa Costa de fazer baixar o PS nas sondagens, mas Seguro esquece que as perguntas são feitas com Seguro a dirigir o PS. Preparemo-nos para o pior, vai ser feio.

Estamos assim metidos numa embrulhada. O Governo não governa e terça armas com os moinhos de vento do Constitucional. O Presidente não preside aqui, desloca-se agora em caravana de seguranças, com viatura anti-motins, como se presidisse na Venezuela. Em vez de agir, solta lamentos, queixumes e truísmos de férrea lógica, mas sem qualquer efeito prático. O PS iniciou uma sabática interna litigante que se augura sanguinolenta. Onde está a solução?

A solução está nas pessoas, no Povo, na Sociedade Civil, que aspira por mudança e está a construir sobre Costa uma esperança enorme. De todas as cores e ideologias. Uma esperança que pode garantir lisura no processo eleitoral interno, sim, mas que como em todas as situações de ansiedade colectiva pode ser perigosa. Expectativas acima do real podem ser o principal obstáculo de Costa. Quando tudo à volta apodrece ou perde vigor, todos esperam lavra nova. Eis por que Costa tem que saber seleccionar as sementes. Nos termos em que a lavra vai ficar, tudo germinará, é bom que o trigo prevaleça sobre o joio.

Deputado do PS ao Parlamento Europeu

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