Maioria acena com crise política se TC chumbar soluções para reformas e salários

Portas compara decisão do Tribunal Constitucional aos tempos de “irresponsabilidade financeira” de 2010.

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RAFAEL MARCHANTE/REUTERS

Depois do impasse gerado pelo mais recente chumbo do Tribunal Constitucional (TC), o Governo espera que os dois diplomas apresentados nesta quinta-feira, que considera essenciais para reduzir a despesa do Estado, passem no crivo dos juízes. Caso as propostas da contribuição de solidariedade sobre as reformas e da futura tabela salarial única na função pública sejam chumbadas, estão criadas as condições para uma crise política, segundo fontes da maioria. Um dos cenários em cima da mesa é a antecipação das legislativas, de Setembro para Maio do próximo ano, para viabilizar a aprovação atempada do Orçamento do Estado para 2016, acrescentam as mesmas fontes.

Apesar da dramatização que fez na última semana relativamente ao mais recente acórdão do TC, o Governo espera que, desta vez, o tribunal deixe passar a nova contribuição de sustentabilidade. Disso mesmo deu conta, esta sexta-feira, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas. “Assim seja constitucional, é tudo o que eu espero, porque isso permitirá a uma parte da sociedade portuguesa recuperar o poder de compra”, disse o governante aos jornalistas, à margem de um encontro de empresários portugueses e mexicanos, em Lisboa. E não faltaram os elogios à nova contribuição que tem carácter permanente: é “gradual”, “construtiva” e “prudente”. Sem esquecer que devolve poder de compra à “chamada classe média dos pensionistas”, acrescentou o vice-primeiro-ministro.

“Até 1000 euros, isenção: 86% dos pensionistas ficam isentos. A partir dos 1000 euros, quem pagava 3,5% vê a taxa reduzida para 2% e quem pagava 3,5% a 10%, e se queixava muito legitimamente, vê a taxa ficar a 3,5% e nem mais um cêntimo”, resumiu. Paulo Portas sublinhou que, uma vez ultrapassado o ciclo da troika, não é possível voltar à “irresponsabilidade financeira” e “voltar, de uma assentada só, aos níveis de despesa de 2010”. Um dedo apontado aos juízes do Palácio Ratton que impuseram a reposição dos salários na função pública ao nível em que estavam em 2010.

Caso o TC inviabilize as duas novas propostas, o Governo considera que não tem condições para cumprir os compromissos assumidos perante Bruxelas, nomeadamente um défice de 2,5% em 2015.

O último acórdão do TC foi a gota de água para o Governo. Ao que o PÚBLICO apurou, não se trata apenas do sentido da decisão, mas também dos seus fundamentos, que o executivo considerada contraditórios face a acórdãos anteriores.

Relativamente aos aspectos mais técnicos do acórdão, a Assembleia da República vai enviar o pedido de esclarecimento ao TC. Foi uma decisão tomada só com os votos da maioria e com muita contestação das bancadas da oposição. PS, PCP, BE e PEV perderam na questão do recurso para plenário da decisão tomada em conferência de líderes desta quarta-feira. A presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves (PSD), anunciou que não participou na votação, mas que mantém as “posições anteriormente assumidas”. Essa posição foi apenas referida publicamente pelas bancadas da oposição: Assunção Esteves não estava disponível para admitir a proposta da maioria na conferência de líderes. No final do plenário, a presidente da Assembleia escusou-se a falar aos jornalistas sobre o assunto.

Momentos antes da votação, as bancadas da oposição criticaram fortemente a imposição da maioria PSD/CDS, por considerarem que está em causa a legitimidade da intervenção da Assembleia da República neste processo.

“É ilegítima e incompetente. A maioria, com esta decisão, está a dar cobertura ao maior ataque político à Constituição, ao Tribunal Constitucional e ao Estado democrático”, afirmou o vice-presidente da bancada socialista António Braga.

O líder da bancada do PCP, João Oliveira, criticou a “estratégia de afrontamento” ao TC. “É inaceitável uma estratégia em que o Governo pretende instrumentalizar a AR como arma de arremesso contra aquele órgão”, apontou. Na mesma linha, Pedro Filipe Soares, líder da bancada do BE, considerou que a maioria “não tinha legitimidade para impor o que impôs na conferência de líderes”. E lembrou que a presidente da Assembleia “não queria aceitar a proposta da maioria”.

Sublinhando que a “decisão é ilegal e legítima”, José Luís Ferreira, de "Os Verdes", fez uma caricatura: “Chegámos ao ponto de o Governo não saber o que fazer com o 31 de Maio”. O deputado referia-se a um dos aspectos que o Governo quer ver esclarecido no acórdão, como explicou a seguir Carlos Abreu Amorim, do PSD. Trata-se de um pedido, realizado no âmbito do “espírito de cooperação institucional”, para saber se os duodécimos pagos já estão saldados, se os subsídios de férias têm efeito a partir de Janeiro ou da data de pagamento e como fazer com os trabalhadores que já receberam subsídio de férias.

Carlos Abreu Amorim não associou o pedido a qualquer afronta ao TC, mas sim à necessidade de “superar situações de ambiguidade, com transparência democrática e grau de certeza política”. E lembrou que foram feitos pedidos semelhantes por presidentes e primeiros-ministros “afectos ao principal partido da oposição”, numa alusão a Mário Soares e a António Guterres.

A mesma leitura da situação foi assumida por Nuno Magalhães, líder da bancada do CDS. O Governo solicitou o pedido de aclaração "no espírito institucional que pudesse solicitar a interpretação autêntica de quem decidiu”. E perante os protestos das bancadas da oposição, Nuno Magalhães afirmou: “Podemos discutir o que quiserem, estamos cá para isso. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência”.

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