Toda a música que queremos descobrir ou reencontrar cabe no NOS Primavera Sound

O NOS Primavera Sound arranca esta quinta-feira com Caetano Veloso como um dos cabeças de cartaz. Até sábado, passarão pelo Parque da Cidade, no Porto, The National, Pixies, St. Vincent ou Kendrick Lamar.

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Caetano Veloso no Coliseu, em Lisboa Miguel Manso

O Primavera Sound de Barcelona, que decorreu a semana passada, já lá vai, o do Porto está mesmo aí a chegar. Esta quinta-feira, precisamente. No Parque da Cidade, como sempre. Olhamos para o cartaz dos três dias e que vemos?

Vemos clássicos de regresso, os Pixies (amanhã, 22h35) e uns quase clássicos em processo de canonização, os The National (sábado, 22h30). Descobrimos uma banda de culto do shoegaze, os Slowdive (amanhã, 21h10), dois portentos pós-rock, os Godspeed! You Black Emperor e os Mogwai (amanhã, 22h25 e 1h25, respectivamente). Vemos outros regressados, modelados no psicadelismo minimal dos Spacemen 3, chamados Loop (0h50) e uns ícones punk, os Television, preparados para interpretar um dos melhores álbuns da história do rock, Marquee Moon (amanhã, 19h35). Isto sem esquecer as diversas marcas do presente, do garage-rock de Ty Segall (sábado, 1h55) à fascinante e inclassificável St. Vincent (sábado, 0h10), ao psicadelismo dos australianos Pond e dos chilenos Föllakzoid (amanhã, 21h e 18h25, respectivamente), passando pela soul do grande Charles Bradley (23h), pela indie folk catártica dos regressados Neutral Milk Hotel de Jeff Mangum (sábado, 20h) ou pelos Darkside de Nicolas Jaar (amanhã 1h30) – e ainda há o Sonic Youth Lee Ranaldo, os de novo regressados Slint ou o funk mutante, infernal, dos !!!. Mas concentremo-nos no agora. Esta quinta-feira, no dia em que apenas estarão activos os palcos principais, o NOS e o Super Bock (nos restantes, haverá mais dois em funcionamente, o ATP e o Pitchfork), instalados lado a lado na zona nobre do Parque da Cidade, num quase anfiteatro natural, quem vemos em cartaz?

Um nome em ascensão na música brasileira entregue às melodias e às palavras (Rodrigo Amarante, 18h50) e um histórico de vida bem recheada e criatividade ainda imaculada (Caetano Veloso, 21h45). Vemos Kendrick Lamar (0h40), revelação do hip hop norte-americano através desse grande álbum intitulado “good kid, m.A.A.d city”, um fenómeno de pop desavergonhada da sua condição, sintonizada no R&B dos nossos tempos e nos Fleetwood Mac de antanho, formado por três irmãs e chamado Haim (23h30) ou outro fenómeno, este de synth-pop muito dos nossos tempos (ali nos interstícios entre a cultura de massas e a exclusividade hipster), encarnado por Sky Ferreira (20h40).

Juntemos-lhe uma banda rock de recorte clássico, os Spoon (19h45), o psicadelismo para pista da dança dos australianos Jagwar Ma (2h05) e, a inaugurar o festival, uma banda sem qualquer álbum editado que faz da informalidade o seu modo de estar – chamam-se Os Da Cidade, reúnem António Zambujo, Miguel Araújo, João Salcedo e Ricardo Cruz e sobem a palco às 18h. Colocando tudo em perspectiva, surpreende à primeira vista a presença de um nome mítico da música brasileira como Caetano Veloso ou a de uma estrela em ascensão do hip hop como Kendrick Lamar. Afinal, o Primavera Sound nasceu e afirmou-se em Barcelona, no início deste século, como um festival primordialmente atento à música de filiação rock e pop cultivada nas margens do mediatismo.

No entanto, quando em 2012 ganhou extensão ao Porto, já tinha crescido de diversas formas: em dimensão, em protagonismo mediático, em abrangência musical. O Primavera Sound é o festival em que vamos encontrar a música que marca decisivamente o presente, é o festival em que nos entregamos à descoberta de nomes que nos escaparam ao radar, é o festival que honra a história da música popular ao trazer a cartaz históricos ou nomes de culto do passado. Entretanto, de acordo com o derrubar de fronteiras estéticas que é marca da primeira década e meia do século, hoje o Primavera Sound esbateu a filiação pop e rock. É mais vasto: apresenta em destaque tanto a folk electrónica sul africana dos John Wizards (actuam sexta-feira às 24h) ou a synth-pop para galeria de arte de Glasser (sábado, 1h30), como esse gigante chamado Caetano Veloso que, depois de um concerto muito aplaudido em Barcelona, chega ao NOS Primavera Sound para mostrar pela segunda vez em Portugal (esteve há alguns meses no Coliseu de Lisboa) como está revigorado depois da edição do magnífico Abraçaço.

Se em dois anos, o NOS Primavera Sound se firmou como momento de absoluto destaque no roteiro de festivais de música portugueses, deve-o ao cuidado posto numa programação que pretende ser mostra daquilo que mais relevante há para descobrir, encontrar ou reencontrar na música popular urbana. Mas não só isso. Determinante foi também a sua localização num vasto espaço verde em malha urbana e a atenção dada à envolvência do espaço: as entradas são limitadas a 25 mil pessoas para se possa fruir verdadeiramente e o ruído publicitário não é intrusivo e surge reduzido ao mínimo indispensável. É o festival ideal para quem se define, em grande parte, pela música que ouve, pela música que investiga e que discute infatigavelmente. E é um festival que, pela atracção que o nome Primavera Sound provoca em melómanos mundo fora e pela curiosidade que a cidade do Porto vem suscitando além-fronteiras, se torna um curioso e feliz encontro cosmopolita de pessoas de várias nações.

No dia em que arranca o terceiro NOS Primavera Sound portuense, apenas um receio se intromete no espírito do público. Nesse aspecto, este será muito gaulês. Deseja apenas que o céu não lhe caia em cima da cabeça – as previsões meteorológicas apontam para que chova durante o festival. Com impermeável preparado para qualquer eventualidade, o público, temente que o céu lhe caia em cima da cabeça repetirá como mantra: “amanhã não será a véspera desse dia”. E depois, se a chuva cair mesmo, lá o veremos, molhado mas feliz, repetindo com Caetano Veloso uma verdade mais forte que o ditado gaulês (“a bossa nova é foda”), hipnotizado pelos crescendos eléctricos dos Godspeed You! Black Emperor ou embalado pelas palavras de Matt Berninger, vocalista dos National.

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