Gaiola dourada

O râguebi nacional deve gratidão a muitos dos lusodescendentes que nos últimos anos representaram Portugal

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António Simões dos Santos

“Quando um dia for seleccionador, só convocarei jogadores nascidos no meu país, ou, se não forem nascidos no meu país, então que tenham pais com uma grande relação com o país. Nunca convocarei um jogador só porque ele tem um passaporte do meu país. Para mim, a selecção nacional significa muito. Se for técnico da selecção, só chamarei lusos.”

Estas declarações foram recentemente produzidas por José Mourinho. Muito se tem discutido sobre a presença de lusodescendentes na selecção nacional de râguebi. Este preconceito, nalguns casos a roçar a xenofobia, é recorrente na nossa história.

Lembro-me bem do primeiro treino de Portugal em terras francesas aquando do Campeonato do Mundo em França. Aquele magnífico relvado em plena região de Auvergne era “vigiado” por uma comum autocaravana. Lá dentro, pai e filho, aguardavam ansiosamente pelos seus jogadores. O pai emigrante em França há décadas e o filho, já nascido em França, vestiam orgulhosamente as cores lusas. Aquilo que era para ser uma curta visita de fim-de-semana, transformou-se rapidamente, fruto da relação de grande fraternidade com toda a comitiva, numas férias antecipadas.

O sinal estava dado. Não seria um Mundial qualquer. Como não foi o Europeu de futebol em 1984. Os portugueses iam marcar presença e iam estar com os Lobos onde quer que fosse. Porque mesmo morando a milhares de quilómetros, Portugal era o seu país e aqueles eram os seus jogadores. A geração que emigrou nos anos 60 e todos os seus descendentes reconheciam naqueles 30 Lobos, fosse qual fosse o resultado, a competência e o mérito de marcar presença num dos maiores eventos desportivos do Mundo. O resto da história já todos conhecemos…

Portugal estava em Brive e para variar o secretário-geral da FPR, Delfim Barreira, desdobrava-se em contactos institucionais. Recordo bem do telefonema sobre um miúdo do ASM Clermont Auvergne que queria jogar por Portugal mas ninguém o chamava. Lembro-me de fazer o telefonema do costume para Tomaz Morais. Lembro-me do primeiro treino de Julien Bardy no Jamor. A sua estampa atlética não enganava ninguém. Lembro-me do seu primeiro na Tapada da Ajuda frente a uma equipa inglesa e das suas primeiras placagens. Demolidoras! Lembro-me bem o que disse Vasco Uva no final deste jogo. Julien cumpria parte de um sonho. Jogar por Portugal, um país que também é seu!

A Fédérale 1 começava a ser descoberta, através de alguns sites, e nos melhores marcadores destacava-se um jovem do Valence d’Agen, de seu nome Yannick Ricardo. Yannick era conhecido pela qualidade dos seus pontapés e sua elevada média de concretização de penalidade e transformações. Frederico Sousa e Joaquim Ferreira apostaram nele nos sub-21. E o orgulho nas palavras do seu pai, Rui Ricardo, era contagiante. No seu percurso teve sempre um objectivo: representar Portugal acima de tudo.

Identificava-se com o país e com todos aqueles que compunham o grupo alargado de jogadores. Estava disposto a tudo, ao ponto de vir jogar para Portugal para poder ser melhor avaliado e acompanhado. Muito se falou sobre ele, tomara que muitos tivessem disponíveis para fazer os sacrifícios que ele fez por Portugal, um país que também é seu!

Nunca esquecerei o regresso dos Lobos da Rússia após uma derrota num terreno impraticável. Aquele jogo nunca devia ter-se realizado. Mas também me lembro da notícia que Thomas da Costa seria dispensado após não ter sido utilizado. Recordo-me também de alguns adjectivos sobre as suas qualidades técnicas.

Thomas trabalhava num banco e tinha tirado três semanas de férias para jogar por Portugal. Em França explicar a um patrão que em pleno Janeiro vamos tirar férias para jogar por um país que não a França, garanto-vos que não é tarefa fácil. Já o tinha feito no passado e voltava a fazê-lo. Tudo por Portugal, por um país que também é o seu!

Tinha sido informado que havia um talonador na Section Paloise que era de origem portuguesa. O facebook tinha aparecido e graças a esta nova ferramenta conseguimos sondar, através da sua tia, a disponibilidade de Lionel Campergue representar o país da sua mãe.

Lembro-me da importância de Pedro Netto Fernandes na sua chamada. Lembro-me da sua primeira convocatória contra a Geórgia, da viagem de carro de toda a sua família a Portugal, do orgulho do avô. Falar com aquela gente fazia-me recordar 2007. De como todos nos sentimos em casa embora estivéssemos em terras gaulesas.

Uma entrevista de Jean-Claude Baqué, presidente da FIRA, onde insinuava que os Lobos não estariam preparados para o jogo com os All Blacks tinha servido de rastilho. David Penalva, que muitas vezes era provocado em relvados franceses por ser português, não escondeu no final do jogo a revolta com os dirigentes da FIRA. Era a honra de Portugal que tinha sido posta em causa, a honra de um país que também é seu.

Portugal na sua história recente muito deve aos emigrantes. O râguebi português também lhes deve gratidão.

Portugal será sempre meu como será sempre vosso. Obrigado a todos!

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