O que disseram os eleitores europeus?

As regras do jogo da democracia não devem ser identificadas ou associadas a políticas ou propósitos particulares.

Em democracia, as eleições servem para dar voz aos eleitores. E para as políticas e os políticos serem avaliados (Karl Popper usava a expressão, talvez excessiva, "serem julgados"). É por isso que, em democracia, os períodos imediatamente pós-eleitorais geram usualmente intensas tentativas de interpretação dos sinais emitidos pelos eleitores.

Neste capítulo, Portugal terá batido recordes na semana passada, no rescaldo das eleições europeias. O maior partido da oposição, que obteve o primeiro lugar, assistiu a um desafio interno à liderança vencedora. E um largo número dos seus deputados votou com o partido comunista uma (de antemão derrotada) moção de censura ao governo.

Como se costuma dizer, tudo isto é muito interessante. Mas as eleições do passado dia 25 de Maio foram para o Parlamento europeu, não para a Assembleia da República. Sobre o significado europeu das ditas eleições, em Portugal, ouvimos quase nada. Terá sido talvez outro recorde lusitano, eventualmente de sinal contrário ao acima citado.

Talvez não fosse pior se olhássemos de vez em quando para o que se passa na Europa. Pode ser que não possamos influenciar muito, mas, pelo menos, evitávamos surpresas – que podem ser desagradáveis.

A surpresa mais desagradável já foi em parte anunciada pelos resultados europeus. Partidos anti-europeístas, proteccionistas e estatistas radicais obtiveram resultados inéditos em inúmeros países, com destaque para um primeiro lugar em França e na Grécia, bem como na Dinamarca e no Reino Unido. (O caso britânico deve no entanto ser distinguido dos resultados continentais, como foi eloquentemente observado pelo editorial da revista The Spectator).

Como enfrentar este problema? Esta é uma pergunta de magna importância para os europeístas. Não deve ser evitada com os habituais comentários de desprezo pela ignorância ou visão de curto prazo dos eleitores – uma tendência infelizmente recorrente entre alguns círculos de Bruxelas. Três observações – que tenho vindo a recordar neste espaço há vários anos – poderão ser úteis para iniciar uma reflexão séria sobre o tema.

Em primeiro lugar, convém recordar um princípio elementar de Teoria Política: numa democracia liberal, existe uma distinção crucial entre regras do jogo e propósitos particulares. As regras do jogo são sagradas, por assim dizer, e incluem os preceitos fundamentais do pluralismo, separação de poderes, direitos fundamentais e controlo parlamentar sobre os governos. Mas, no âmbito destas regras do jogo sagradas, existe uma controvérsia permanente entre propósitos, ou políticas, rivais.

Não existem, neste sentido, propósitos ou políticas sagrados ou oficiais. As regras do jogo da democracia não devem por isso ser identificadas ou associadas a políticas ou propósitos particulares. Estes variam consoante as flutuações do eleitorado, e em regra flutuam através da alternância entre partidos rivais – que em regra defendem propósitos e políticas rivais.

Em segundo lugar, pode ser conjecturado que, no interior da União Europeia, esta distinção tem sido intringantemente menosprezada -- devido à errónea identificação das regras do jogo democrático da UE com o propósito particular de uma "União sempre mais integrada" (a famosa ever closer Union). O que a Teoria Política ensina é que, no interior da UE submetida às regras do jogo demo-liberal, seria de esperar uma permanente concorrência entre propostas democráticas rivais: umas favoráveis a mais integração, outras favoráveis a mais devolução de poderes aos Estados nacionais e possivelmente ao mercado e à sociedade civil.

Intrigantemente, não temos assistido a esta rivalidade entre os partidos de centro-direita e centro-esquerda que apoiam a UE – quer entre nós quer na generalidade dos países europeus.

Pode agora ser conjecturado, em terceiro lugar, que aquela ausência de políticas rivais entre os partidos centrais europeístas terá aberto caminho ao crescimento de partidos anti-europeus, proteccionistas, estatistas e, nalguns casos, simplesmente xenófobos.

Se esta conjectura for acertada, a reacção dos europeístas devia ser a de incorporar nos seus programas propostas de devolução de poderes, e não de "União sempre mais integrada". Desta forma, seria possível esvaziar as plataformas populistas dos anti-europeus e re-introduzir no jogo político europeísta a saudável concorrência que caracteriza a vida política das democracias liberais.

Professor universitário IEP-UCP

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