O engenheiro português que trocou a Google pelo empreendedorismo social

O SPEAK é uma "escola de línguas e culturas" que nasceu para promover a integração das comunidades estrangeiras.

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O SPEAK nasceu em Leiria mas quer chegar em Setembro a mais quatro cidades Enric Vives-Rubio

Num momento em que muitos jovens deixam o país em busca de emprego qualificado e de uma experiência internacional, Hugo Aguiar fez o inverso. Aos 27 anos, o engenheiro informático de Leiria, colaborador da Google na sede europeia, em Dublin, quis regressar. “Espicaçado pela forma como as coisas estão em Portugal”, Hugo viu chegar “aquela altura” em que ou seguia a carreira internacional ou se atirava de cabeça ao empreendedorismo social.

Decidiu-se pela segunda opção e assim, depois de 21 meses entre Dublin e Silicon Valley, num dia de Março, voltou a casa com o objectivo de dirigir o SPEAK, um projecto que nasceu para pôr em contacto comunidades que, vivendo lado a lado, vivem também de costas voltadas devido à barreira linguística. Esta “escola de línguas e culturas” surgiu em Leiria para facilitar a integração das comunidades estrangeiras e "promover a diversidade". Hoje é um negócio social em processo de expansão. Já está também nas Caldas da Rainha e o objectivo é que chegue a Lisboa, Almada, Aveiro e Coimbra em Setembro.

O modelo tem duas dimensões, explica Hugo. No SPEAK Social colaboram apenas voluntários que ensinam a sua língua e cultura e que tem um preço simbólico; o SPEAK Pro são “cursos de línguas de baixo custo” com formadores remunerados e a salvaguarda de uma margem que permite financiar o projecto, que neste momento ocupa outras duas pessoas a tempo inteiro (Ricardo Figueiredo, coordenador do SPEAK Leiria, e Ana Neto, coordenadora pedagógica), tem prestadores de serviços (os professores do SPEAK Pro) e “magníficos voluntários”  em áreas como o web design e design gráfico, marketing e formação de professores voluntários. E as realidades por vezes cruzam-se: “Em Leiria temos um casal de líbios que dá árabe no Social e francês no Pro”.

Nada disto teria sido possível sem a Fundação EDP, sublinha. “Foram fundamentais”. A ideia original foi partilhada numa formação do Instituto de Empreendedorismo Social (IES) e “o Gustavo Brito, do Social Lab da Fundação EDP, gostou do que ouviu e sugeriu que repensássemos o que estávamos a fazer de forma mais profissional”. O SPEAK começou a dar os primeiros passos em Junho de 2012 com o apoio do Social Lab e o projecto-piloto arrancou em Setembro desse ano. Testado o modelo, lançou-se o SPEAK Leiria e depois avançou-se para as Caldas (apenas na versão social).

Com a escola de Leiria em vias de atingir o equilíbrio financeiro (previsto para Julho), o SPEAK está numa terceira ronda de investimento para ganhar dimensão. No arranque do piloto (que custou 7500 euros) contou com o apoio da Gulbenkian e na segunda fase de investimento (32.500 euros) entraram em acção as fundações Luso-Americana e Aga Khan e a Santa Casa da Misericórdia. Nesta terceira fase, já é certo o apoio da Fundação EDP, mas poderá haver mais investidores. O processo negocial ainda decorre e Hugo não quer divulgar montantes, mas garante que “os objectivos serão sempre pequeninos e apenas ao longo do período necessário para garantir o equilíbrio de cada projecto [cerca de dois anos]”.

Quem criou o SPEAK com o objectivo de partilhar conhecimento também deu por si a aprender. “Descobrimos que as pessoas quando têm a oportunidade de ensinar a sua cultura ficam mais entusiasmadas, as coisas correm melhor do que se estiverem apenas no papel de alunos”, diz Hugo. Ucranianos, brasileiros, sírios, polacos, chineses, russos, portugueses… Todos saem a ganhar com a experiência. Os portugueses “ficaram mais sensibilizados para a diversidade” e nas outras comunidades cresceu “o sentimento de pertença”. O modelo social será agora replicado, mas além de Leiria, só Coimbra e Lisboa terão a versão Pro. Hugo Aguiar faz questão de frisar que é um “projecto sem ambição de roubar quota de mercado a ninguém”, que só quer “promover a diversidade cultural e linguística”.

A expansão será “o verdadeiro teste à capacidade de o modelo SPEAK fazer a diferença”, reconhece. Será o passo maior que as pernas? “Sabemos que é ambicioso e que embora estejamos a trabalhar a fundo para desenvolver as ferramentas e o conceito podemos chegar ao fim e estar apenas em três ou quatro cidades”. Mas isso também não lhe tira o sono. “Tenho algum receio, mas também tenho muita adrenalina”, diz quem acha que o insucesso “ainda é sobrevalorizado” em Portugal.

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