A Rua leva ao palco mais de 200 crianças no Centro Cultural de Belém

Espectáculo musical com coro, orquestra e bailado assinala o Dia da Criança. Levado pelo desejo de transformar a rua onde mora, um homem põe uma caixa no caminho dos vizinhos. Vai obrigá-los a parar. E a pensar.

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Espectáculo musical com coro, orquestra e bailado sobe ao palco do CCB Enric Vives-Rubio

Distraídas, apressadas, sorumbáticas. São assim as pessoas que percorrem as ruas de Lisboa. Ou quaisquer outras em qualquer lugar destes tempos. O espectáculo A Rua convida-as a parar, com a ajuda de 200 crianças que vão cantar no Centro Cultural Belém, em Lisboa, este domingo às 19h. Uma parceria entre a Escola de Música Nossa Senhora do Cabo (Linda-a-Velha) e a Escola Artística António Arroio (Lisboa), com a participação especial de Beatriz Nunes, vocalista dos Madredeus, e o actor Adriano Carvalho.

“Quis criar um espectáculo de esperança. Lembrar que às vezes é preciso parar e pensar. Para que a solidão se vá embora”, diz Carolina Gaspar, autora do texto e professora de Classe de Conjunto (coro) na Escola de Música Nossa Senhora do Cabo.

Um homem queria alterar a vida de todos os que passavam naquela rua, dia após dia. Sempre a correr, sempre atarefados, não se conheciam, nem tão-pouco se olhavam nos olhos. Conseguiu. Bastou-lhe arranjar uma caixa e uma mensagem.

A Rua é uma peça de teatro musical para coro infantil, ensemble instrumental e solistas, com composição de Carlos Garcia. Oito turmas de crianças entre os seis e os dez anos integram o Coro Tutti, que estará sempre em palco durante a actuação, em conjunto com os 19 músicos da orquestra, dirigidos por Henrique Piloto. Oito bailarinas, alunas da professora de Ballet Cláudia Finote, hão-de transportar a caixa da plateia para o palco, numa cenografia com a assinatura da Escola Artística António Arroio.

“Já realizámos outros espectáculos e já actuámos fora do país, na Alemanha. Temos vindo a crescer, mas é a primeira vez que temos um trabalho com esta dimensão”, diz a maestrina, de 28 anos, que começou por estudar música em Leiria, de onde é natural, mas que viria a licenciar-se em Direcção Coral e Formação Musical na Escola Superior de Música de Lisboa.

Carolina Gaspar convida as famílias a ir até ao Grande Auditório do Centro Cultural de Belém porque deseja que “o espectáculo mude a rua de todos os que vierem conhecê-lo” e quer lembrar que “nem tudo vive só das tecnologias”.

“Falar com as pessoas”

A pequena Maria Eduarda Matos, solista de oito anos que encarna a personagem Costureira, diz ao PÚBLICO que “as crianças devem ver o espectáculo porque é giro e porque se aprende que se deve parar e falar com as pessoas”.

Não sendo estreante na vida artística - “já fui um gato no espectáculo da Cinderela, também no CCB” -, agora tem a responsabilidade de ser solista. Mas está confiante: “É melhor ser solista. Fico um bocadinho nervosa, mas já ensaiei e é fácil.”

Sobre as diferenças entre a rua onde mora e a da encenação, a “costureira” enumera-as rapidamente e com desembaraço: “A minha não tem bancos, só um à entrada. Tem árvores, candeeiros, uma estrada, uma rotunda, lojas. É em Carnaxide.” A rematar, o mais importante: “Acho que posso mudar a minha rua.”

Para a mãe da menina, também com o nome Maria Eduarda, “o ensino da música é, no geral, uma mais-valia, quer nos estudos quer no desenvolvimento pessoal”. Valoriza o facto de ser uma aprendizagem que “ajuda à concentração”, mas o que faz mesmo valer a pena “toda a disciplina e gestão” quotidiana é “vê-la feliz”.

Em período de exames no 1.º e 2.º ciclo, Maria Eduarda lembra: “Não precisamos só de Matemática e de Português.” Com formação em Educação Física e casada com um informático, acredita que “as artes e a expressão são muito importantes”, mas, diz, “acabam por ser um parente pobre”.

Acabar com a solidão

Escutemos o narrador da história: “É preciso parar às vezes. Talvez conseguisse assim deixar as pessoas a pensar ou proporcionar algo que as pudesse ajudar a mudar o seu dia, para melhor, interagindo, sem saberem, umas com as outras. Era urgente acabar com a solidão, soprá-la como uma pena caída no chão ou como um balão. Foi assim, assim, tal e qual assim, nem mais nem menos, que me lembrei… da caixa.”

A caixa que o Morador (Adriano Carvalho) se lembrou de arranjar fará parar o Ardina (José Henrique Nascimento), o Carteiro (Tiago Pancrácio), a Costureira (Maria Eduarda Matos), o Engraxador (Francisco Lancastre), a Florista (Joana Castro), a Cantadeira (Beatriz Nunes), mas também a Artista de Rua (Beatriz Miguel), a Fotógrafa (Laura Martins), a Menina dos Sonhos (Constança Brígida), o Varredor (Tiago Pereira) e o Amolador de Tesouras (o maestro Henrique Piloto).  

Há-de ser destruída a caixa que mudou a rua, mas só assim poderia mostrar o que lá trazia. O Morador já tinha avisado: “Não te esqueças que a caixa tem uma viagem para fazer, e ninguém te saberá dizer qual é. Só quem a encontrar e alguma coisa nela transformar poderá saber o que fazer, para juntos conseguirmos parar, respirar, sorrir, viver. Mais felizes. Hoje. Amanhã. Sempre.”

No final, todos os espectadores recebem um presente, “porque cada dia pode ser diferente”. Para melhor. 

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