Neste Room Service pode pedir-se design de hotéis portugueses

A hotelaria como motor de modernidade numa exposição que reúne peças das décadas de 1950, 60 e 70 desenhadas por Daciano da Costa, José Espinho ou Eduardo Afonso Dias.

Cómoda suspensa de Daciano da Costa para o Hotel Penta
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Cómoda suspensa de Daciano da Costa para o Hotel Penta DR
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Cadeirões de Eduardo Afonso Dias para Laura C.C./Paulo Cintra
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Cómoda Tróia, de Eduardo Afonso Dias Laura C.C./Paulo Cintra
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Parte da linha Sacavém de José Espinho Laura C.C./Paulo Cintra
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Sofás de Carmo Valente para Tróia Laura C.C./Paulo Cintra
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Toucador Tivoli Laura C.C./Paulo Cintra
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Cadeirão Lady Laura C.C./Paulo Cintra

A morada é nova e o serviço de quartos está disponível – e este Room Service tem a particularidade de nos trazer a própria mobília, ainda por cima rara, do hotel. Mobiliário dos anos 1950, 60 e 70, peças de design português nascidas para hotéis como o Penta, em Lisboa, ou a Torralta, em Tróia, e que agora estão em exposição em Lisboa como testemunhas silenciosas da importância, neste país de turismo, da hotelaria como motor de modernidade e do próprio design em Portugal.

Cerca de 20 peças de autor, de nomes incontornáveis da portugalidade desenhada como os de Daciano da Costa ou Eduardo Afonso Dias, estão desde esta sexta-feira e até 30 de Junho à venda na Galeria Bessa Pereira, que se mudou do Bairro Alto para São Bento ao encontro de uma “clientela mais especializada”, como diz o galerista Carlos Bessa Pereira. Um aplique e uma cómoda suspensa Daciano Costa, resgatados do Hotel Penta, em Lisboa, quando este mudou os seus interiores, “deram o corpo a toda a exposição”, conta o galerista, que fala de “acasos de sorte” na origem da “dificílima” tarefa de juntar estas e outras peças para fazer Room Service.

São “peças muito raras”, classifica, estimando, “optimista”, que subsistam por aí apenas entre “dez a 15 unidades” de cada peça da exposição, e que estão para venda com preços entre 800 e os 3800 euros. É que os interiores portugueses não estão na mira dos conservadores e muito já se perdeu.

José Espinho, Francisco Conceição Silva, Gilberto Lopes ou Carmo Valente são outros dos designers por trás destes fragmentos de hotel que agora pernoitam numa galeria dedicada ao design. Se a sua importância enquanto actores do desenvolvimento da disciplina do design no país é já bem conhecida, o facto de terem trabalhado para a hotelaria coloca-os em campo de uma forma distinta. É que, como explica a doutoranda em design e hotelaria Ana Sofia Araújo, este “é um campo que teve muita importância para o estabelecimento, institucionalização e profissionalização do design”.

Porque, prossegue a investigadora que comissaria a exposição com o historiador de design João Paulo Martins, a hotelaria “é uma área muito mais ligada à modernidade” naquelas décadas de Estado Novo “e que conseguiu trazer alguma inovação” para o desenho dos nossos interiores, em contraste com os “domésticos, mais ligados ao instituído e conservador”. Por arrasto, os designers contribuem para o “desenvolvimento da indústria e também a sua actualização” técnica.

Pela fechadura deste hotel onde mora design, veja-se o conjunto de peças da linha Sacavém, de José Espinho. É destacada por Carlos Bessa Pereira, cadeiras, poltrona e aparador do início dos anos 1950, “muito importante para a história do design português pelo momento que representa na sua história”. O princípio de uma viragem para o moderno. “Inserido num cariz rústico, de gosto popular e historicista”, explica Ana Araújo, “não é de todo a linguagem que José Espinho viria a desenvolver”, que irá fazer depois “um acerto com a linguagem do design internacional”.

Abre-se a fase em que italianos e escandinavos substituem os historicismos no panteão das influências, mas também, depois, aquela em que as férias e o turismo se tornam algo que merece até a existência de clubes. O final dos anos 1960 vê nascer a Torralta – Club Internacional de Férias, e com ele o hotel que albergava uma das peças que Ana Sofia Araújo destaca: irresistivelmente pop. A cómoda Tróia, de Eduardo Afonso Dias, desenhada para a Torralta no âmbito da colaboração com o arquitecto Conceição Silva, que projectou o espaço, “é icónica no design português porque associada ao cariz pop internacional, é uma peça que se distingue pela sua inovação no contexto português” – Ana Sofia Araújo frisa que na Torralta há um “primeiro momento de inclusão da linguagem pop no mobiliário da hotelaria em Portugal” (os sofás de Carmo Valente são outro exemplo na galeria).

E depois, a descolagem. No final dos anos 1960 e no início da década seguinte, “com projectos hoteleiros como o de Tróia ou do Penta verifica-se uma autonomização no nosso processo criativo, no qual os designers, talvez ganhando segurança em relação ao que faziam, deixam de copiar os estrangeiros e fazem o que podemos chamar design português”. Que evoca o mar – a cómoda Tróia, diz Bessa Pereira, é “como um barco que flutua num mar calmo”, que começa a apostar no mogno, e que lida com limites. “O design português, principalmente nesta época, foi muito constrangido pelas próprias constrições da indústria e seu atraso”, remata Ana Sofia Araújo, o que “pode tornar as peças diferentes, dar-lhes determinadas configurações e opções de assemblagem, ou novos materiais”.
 

Notícia corrigida às 12h55 de 31 de Maio: alterado termo nas declarações de Ana Sofia Araújo sobre a linha Sacavém e sobre a formação da investigadora

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